297: Saúde, Cultura e Arte - Arte no Cuidado
Ativador: Mariangela Rebelo Maia
Data: 28/10/2020    Local: Sala 16 - Távolas de trabalhos    Horário: 16:00 - 18:00
ID Título do Trabalho/Autores
11541 POEMÉTICA E PRO-SI-SOMOS
Monica Rocha, Denise Mattos

POEMÉTICA E PRO-SI-SOMOS

Autores: Monica Rocha, Denise Mattos

Apresentação: Laboratório de Sensibilidades e Devires – LSD Poemética e Pro -si- somos. Arte, experimentação sensível, formação sensível. O Laboratório de Sensibilidades e Devires (LSD) — projeto de extensão interdepartamental da Faculdade de Medicina da UFRJ — vem nesta oportunidade apresentar duas ações distintas, mas articuladas, a saber: a) Poemética e b) Pro-si-somos, respectivamente uma instalação e uma ação/interferência para ser realizada nos espaço de conivência do congresso e/ou nos espaços de circulação dos congressistas. O Laboratório de Sensibilidades e Devires - LSD tem como objetivo reunir experiências sensíveis na formação de corpos inclinados ao encontro. Visa constituir-se um espaço-tempo no qual se possa experimentar coletivamente, discutir sobre as experiências e produzir interferências que se manifestem em ondas para fora do Laboratório, ruídos, pedregulhos que façam desacelerar as passagens de automatização do conhecimento a-significante e massificado do discurso de cientificidade, para (e) provocar brechas de permanência, insurgência, novos modos de existência: re-existência. Propõe, como recurso metodológico, a realização de atividades de experimentação artística e reflexão sobre suas possibilidades. A instalação Poemética e a ação Pro-si-somos são desdobramentos de duas das cinco ações/projetos do LSD, respectivamente Encontro com pessoas – quem chegar primeiro vai embora, e Corpo e Aura, apresentadas resumidamente a seguir. (Projeto) Encontro com Pessoas (quem chegar primeiro vai embora) — Espaço para leitura, plasticização, elaboração, desconstrução e múltiplas experimentações com poesia através de exercícios com o plágio e a licença poética; autoria, coautoria, autor/multidão; anonimato, cognato, alcunha; a entrega de si como eixo fundante para o encontro com o poeta; Pessoa (quantas pessoas?); oficinas de varal de não‐poesia, de vide-bula, de corpos possíveis. ‐ (Projeto) Corpo e Aura – Projeto voltado para experimentações sensíveis em dinâmicas de grupo tomando como dispositivos: intervenções de dinâmicas corporais, dança, oficinas de palhaço, performances, artes plásticas, cine/experiência, oferta de materiais gráficos para desenho, experimentações com instrumentos musicais, áudios e vídeos. Há também a possibilidade de se produzirem semanas temáticas, com interferência nos corpos da universidade, dos participantes, da cidade para além dos muros da universidade. Se propõe a realizar a experimentação de dinâmicas de sensibilização e oferecer um espaço para a realização de atividades expressivas através de materiais de modelagem, pintura, som, fotografia, filmagem, etc., além de contato com obras/reproduções de artes plásticas, artesanato, literatura e música de diferentes âmbitos da cultura e universos simbólicos. a) POEMÉTICA [i] Tomado de empréstimo a ideia de um penetrável de Hélio Oiticica, a instalação d”A Poemética”consiste de uma cabine de estrutura de canos de PVC com as seguintes dimensões: base e teto de 0,90 x0,90 e 4 hastes de 1,90. Essa estrutura é revestida por dois panos – tafetá transparente e filo ambos de cor vermelha. Na base há uma cobertura no piso com um tecido de pelúcia de cor vermelha. No interior da cabine haverá uma caixa com diversos poemas e um Alto falante mega fone. A instalação convida o público a se apossar de um poema aleatoriamente e a lê-lo em alto e bom som! Olá! Poemética é um convite! Tire seus sapatos Entre Sinta-se à vontade Pegue um poema RECITE! GRITE! Se desejar, use o alto falante Vomite seus afetos com poemas “A Poemética” surge como uma ação política que se preocupa em gerar um espaço de libertação usando poesia como dispositivo de escape. A partir dela, o leitor pode apreender de diversas maneiras o poema, criando problematizações ou achando nas palavras novo sentido para suas afetações. A poesia tanto permite expressar o nosso mundo existencial quanto nos transporta para outros mundos. A ação proposta atuará como o que Deligny (2018) chama de “vômito do afogado”, um grito de resistência e de vida ante a opressão que tenta calar a poesia. Daí o nome “Poemética”: a poesia como um vômito necessário para a própria existência num momento de afogamento das vozes artísticas-políticas. A partir dessas ideias, propomos a criação de um espaço que ao mesmo tempo acolhe o participante e o faz experimentar uma possibilidade de deslocamento. A cabine revestida com um pano translúcido de cor vermelha atua como uma cortina de fumaça, dando a sensação de um lugar privado e acolhedor, mas que acessa e é acessível ao exterior. Tomando a ideia de "devoração" das realidades brasileiras, tal como apropriada pelo artista Hélio Oiticica. b) PRO-SI-SOMOS A partir da instalação “A Poemética”, logo após a sua primeira interferência para a 10ª Semana de Integração Acadêmica - SIAC/UFRJ, tem se consolidado uma agenda de eventos com a participação do LSD com a referida instalação. Já tivemos a oportunidade de levar a instalação para o evento Políticas e Poéticas de contágio — ensaios — _de_viver_entre_muitxs, que ocorreu na UREJ, em 31-10 a 1/11. Participamos também do I Encontro do Observatório de Macaé da Faculdade de Medicina – Campus Macaé. Além de outros convites em curso. A instalação ganha vida própria e errância em visita a muitos coletivos promotores desses eventos. A partir dessas experiências/convites/acontecimentos é que em breve alusão à tradição católica de visita domiciliária da Capelinha de Nossa Senhora, cujo objetivo é atrair diretamente sobre as famílias as bênçãos e graças do Coração de Maria por meio da oração em comum, surgi o dispositivo da ação PRO-SI- SOMOS. A ideia da ação/intervenção Pro-si-somos é realizar, um cortejo, aos moldes de uma procissão – que provém de procedere – ir adiante, avançar, caminhar, levando “A Poemética” como andor, como afirmação política e estética de um comum que fará reverberar em polifonia a potência e contágio da poesia. Pro-si-somos, ganha aqui, a força convocatória de que somos multidão e (RE)Existência, essa é a aposta da interferência nos corpos. Descrição da ação. O cortejo será composto pelo coletivo do LSD, bem como por todos os coletivos, os quais receberam ou receberão até a oportunidade do Congresso “A Poemética” em seus espaços. O público em geral e os congressistas também serão convidados a participarem. Cada participante escolherá uma poesia, que será afixada nas costas do participante que estará a sua frente, de modo que seja possível lê-la e recitá-la de forma continuada. Deste modo ecoará uma polifonia poética – a vozes de que somos em si já multidão. Cada participante também poderá se situar dentro do andor – Poemética (passando por de baixo da base) e, com o auto-falante fazer sobressaltar o escape vibracional do corpo multidão reverberando em sua voz. Articulação das ações – Poemética e Pro-si-somos. A instalação “A Poemética” deverá ser montada em um espaço de circulação, onde se realizará o Congresso e deverá ficar disponível a experimentação dos congressistas e público em geral nos dias de realização do mesmo. ”A Poemética”servirá de andor para a desempenho Pro-si-somos, o cortejo será organizado no espaço em que “A Poemética” estiver instalada e de lá percorrerá os espaços de circulação do congresso, sugere-se que este desempenho possa ser prevista na grade de atividades do Congresso nos intervalos, na hora do almoço ou nas atividades ao ar livre de encontro ou convivência dos congressistas. [i] A instalação d”A Poemética”foi desenvolvida em 2018/2019 pelo coletivo do LSD, para a 10ª Semana de Integração Científica - SIAC/UFRJ realizada de 21-27 de outubro de 2019, no qual participam estudantes extensionistas de diversos cursos de graduação e pós graduação da UFRJ, bem como de outras Instituições de Ensino Superior - IES, membros da comunidade externa e professores da Faculdade de Medicina dos departamentos de Fonoaudiologia e de Medicina de Família e Comunidade.

7789 A CULTURA DE PERIFERIA PARA O EMPODERAMENTO E O AUTOCUIDADO EM SAÚDE UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Marcus Cristian Muniz Conde, Luís César de Castro, Maurício Fernando Nunes Teixeira, Andreas Rucks Varvaki Rados, Laura Faleiro Kirchheim, Magali Quevedo Grave

A CULTURA DE PERIFERIA PARA O EMPODERAMENTO E O AUTOCUIDADO EM SAÚDE UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Autores: Marcus Cristian Muniz Conde, Luís César de Castro, Maurício Fernando Nunes Teixeira, Andreas Rucks Varvaki Rados, Laura Faleiro Kirchheim, Magali Quevedo Grave

Apresentação: A Semana de Arte Moderna da Periferia compreende um marco da insurreição cultural das populações periféricas, desmentindo os estereótipos que reduzem favela a violência. Nesse evento se revelou uma produção cultural refinada, não panfletária, capaz questionar a injustiça dentro de um espectro emancipatório, associado à diminuição da posição de subalternidade, à valorização das formas de ser das populações periféricas dissolvendo os estigmas que sempre acompanharam a condição de pobreza no Brasil. O evento reuniu uma enorme diversidade de coletivos de artistas que se identificavam com o movimento que viria a ser conhecido como “Cultura de Periferia”. Nesse contexto, o Manifesto da Antropofagia Periférica, de autoria do poeta Sérgio Vaz, conclama por igualdade e legitimidade diante das produções marginalizadas no quadro cultural do país. Não mais entendida como local de privação e sofrimento passível de compaixão, a periferia passa a ser um termo utilizado como marcador da resistência popular em tempos de ameaça a nossa frágil democracia. Dessa forma, uma nova subjetividade se forma na periferia, sobretudo entre os jovens, enfatizando o orgulho de sua condição e as potencialidades dessa condição. A promoção da autonomia de jovens da periferia, relacionada ao autocuidado em saúde, no cerne da atenção integral e conceito ampliado de saúde considera de extrema importância a utilização de diferentes manifestações da ‘Cultura de Periferia”. Nesse contexto, a saúde de cada indivíduo existe, também, a partir de valores e concepções construídos culturalmente desde o nascimento. Nessa perspectiva, fica evidente o desafio imposto para a implementação de modelos integrais de atenção à saúde. Para isso, os profissionais de saúde devem articular suas ações aliando o saber técnico, direcionado aos determinantes biológicos de saúde, com os desejos e interesses de cada sujeito, os quais são revelados pelos valores culturais de cada comunidade. Este trabalho tem como objetivo relatar as atividades realizadas  no Projeto de Extensão “A Cultura de Periferia para o Empoderamento e Autocuidado em Saúde”, uma das ramificações do Programa Saúde e Qualidade de Vida, da Universidade do Vale do Taquari – UNIVATES. Desenvolvimento: Visando agregar ideais que busquem trabalhar e identificar os conceitos ampliados em saúde, o Projeto de Extensão A Cultura de Periferia para o Empoderamento e Autocuidado em Saúde considera as questões sociais, culturais, ambientais e de qualidade de vida, partindo de uma abordagem dialógica e relacional, para atender a jovens entre 11 a 15 anos, previamente matriculados na Escola Estadual de Ensino Médio Santo Antônio, em Lajeado- RS, tendo como premissas a interdisciplinaridade e multiprofissionalidade. Objetiva promover ações de cuidado em saúde, utilizando manifestações culturais da comunidade como linguagem para promoção do empoderamento e do autoconhecimento dos sujeitos envolvidos. As ações são realizadas por estudantes voluntários de diferentes cursos de graduação, acompanhados por dois professores coordenadores da Univates seguindo, como base, os métodos do Arco de Maguerez, para a efetivação das intervenções, considerando os princípios de etapas de observação da realidade, definição dos pontos-chave, teorização e elaboração de pressupostas soluções para a execução de um plano estruturado de ação. As atividades realizadas foram propostas a partir de vínculos desenvolvidos com os adolescentes, criando, deste modo, uma demanda a ser seguida com os princípios elencados por eles, a partir de uma manifestação de identidades e cultura que pôde ser concretizada e compartilhada. Foram propostas, inicialmente, atividades de criação de poesia e desenhos para o reconhecimento subjetivo dos alunos, seguindo com oficinas de atividades artísticas, como a composição da música “Meu Respeito”. Também uma caixa para questões foi instalada no pátio da escola para identificar os temas sobre saúde que seriam de interesse dos adolescentes. Após cada atividade, a equipes interdisciplinares se reunia nas dependências da escola, mediante supervisão dos tutores, e registraram os dados relevantes no diário de campo, a fim de avaliar os resultados das ações realizadas e acompanhar a evolução de suas estratégias, bem como realizar o planejamento de futuras propostas de intervenção. Resultado: Os adolescentes puderam elencar obstáculos sociais e oficializar o respeito pela vida de cada indivíduo. Os adolescentes tiveram contato com variados instrumentos para a musicalização; partindo para oficinas de criação de coreografia, usando conceitos e ideias de alunos para a montagem da mesma; oficinas de atividades físicas elencando a importância da cooperatividade nas comunidades; oficinas de grafite feito em muros da escola, com a presença de uma profissional voluntária para auxílio, onde os alunos expuseram suas artes e pensamentos; e rodas de conversa, a partir de música, para debater sobre o conceito ampliado de vida e sociedade. Percebeu-se a grande aspiração, pelos alunos da escola, em transmitirem suas artes no ambiente escolar gerando um ambiente livre para criar, fluir e imaginar e, assim sendo, de um lugar de aprendizagem, como é enxergado a escola, surge, também um local de espaço público de arte. Observa-se que o grafite é uma forma de acessível e sem formas e regras, o que, deste modo, despertou nas crianças o desejo de expressão, e de experimentação pelo novo, tendo grande anseio em deixar sua marca e identidade nos espaços dos quais fazem parte, criando-se, desse modo, uma rede de empoderamento e autodescobrimento. As rodas de conversa permitiram o fortalecimento de vinculo com os adolescentes e se caracterizaram como o ponto de partida para a discussão das temáticas de autocuidado em saúde. No final do ano de 2019 os adolescentes participantes do projeto apresentaram a coreografia ensaiada e a musica que por eles foi composta durante o III Simpósio Justiça Sociedade e Direitos Humanos. Considerações finais: Durante a realização das atividades pudemos identificar o processo de alienação dos sujeitos no que concerne a “cultura de periferia”. Além disso pudemos aproximar as realidades da Academia e da Comunidade através do exercício da empatia, vivenciando entre os sujeitos do projeto experiências que permitiram a compreensão da realidade social na qual estão inseridos. Fundamentado na Política Nacional de Extensão Universitária (2012) e na Política de Extensão da Univates, com vistas a atender o perfil do egresso, a Extensão Universitária constitui um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre a Universidade e os outros setores da sociedade sob o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Ainda o projeto estimulou ações interdisciplinares por meio da integração dos cursos da área da saúde, vinculados ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS): Biomedicina, Educação Física, Enfermagem, Estética e Cosmética, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição e Psicologia, podendo integrar demais cursos da Universidade. O projeto de extensão tornou-se de grande importância para a sua comunidade foco, pois trouxe a concretização acerca das teorias aprendidas pelos acadêmicos em sala de aula. Neste sentido, a comunidade foco recebe o aprendizado e é beneficiada por usufruir deste aprendizado, provocando assim, mudanças sociais

9056 DANÇA PELA DANÇA: UM FIO PARA AMPLIAÇÃO DO EXISTIR
Fernanda Jorge Maciel

DANÇA PELA DANÇA: UM FIO PARA AMPLIAÇÃO DO EXISTIR

Autores: Fernanda Jorge Maciel

Apresentação: O que resta à pessoa com deficiência física? Para o campo da saúde, na maioria das vezes, resta reabilitar, cuidar de identificar as fraquezas, encurtamentos, paralisias, partes insensíveis, para que possa reestabelecer as funcionalidades do corpo (ou de suas partes), por meio de atividades repetitivas e persistentes. O que nos falta compreender, como profissionais e educadores da saúde e, a partir de uma visão ampliada de saúde, é que a ausência do movimento em sua função dita normal, não retira do sujeito apenas o movimento e sua funcionalidade, mas o desloca identitariamente. Do seu corpo, espera-se reabilitação. Esse corpo, que antes se expressava na completude de suas capacidades funcionais, se expressava na amplitude de seus movimentos e de sua força, passa agora a manifestar-se por um corpo limitado, deficiente. E por onde vazam as expressões desse sujeito, que nas suas formas de existência a princípio mantem-se sem limitações? Neste espaço entre corpo e existência, geralmente apaga-se a possibilidade de expressão artística da pessoa com deficiência física. É incorporado a ela o objetivo funcional e o movimento mecânico de músculos ou partes do seu corpo. Se compreendemos a arte como manifestação vital do ser humano e de sua existência e também como expressão das subjetividades que marcam a história de cada um (VIANA, 2015), não podemos desconsiderar a sua potência em dar sentido para o viver também da pessoa com deficiência, apesar da diferença, apesar das faltas corporais funcionais objetivas. Neste contexto, irei relatar e refletir sobre meu percurso como pessoa dançante, corpo com deficiência física e profissional e educadora da saúde, no campo da Saúde Coletiva. Desenvolvimento: Meu caminho na dança se inicia aos cinco anos de idade, interrompido bruscamente por uma lesão medular aos vinte e um. De uma pessoa dançante, passei a ser uma paciente em constante reabilitação física. Meu corpo passou a ser treinado para ter força nos braços que ora empurraram a cadeira de rodas, ora apoiaram-se no andador, até apoiar-se em bengalas. A meta era o equilíbrio, reestabelecer a força de grupos musculares das pernas, a funcionalidade de cada passo, do levantar e sentar e constantemente manter a minha integridade física. Minha subjetividade dançante era apagada ano após ano, sessão após sessão de fisioterapia, aula de hidroginástica, de natação, de musculação etc. etc. Apesar das incipientes tentativas de continuar expressando naquele novo corpo a minha dança, especialmente nos espaços protegidos do preconceito e formado por pessoas com respeito àquela “anomalia estética” que emanava de minhas pernas, o que marcou esse caminho foi o julgamento dos olhares, a dificuldade de ser aceita pelos outros no meu entorno e nos mais diversos locais em que estive como uma pessoa que podia dançar. O resultado foi um distanciamento cada vez maior entre o que eu reconhecia como belo e o que eu era capaz de desempenhar, até a completa ruptura da minha relação com a minha dança. Após vinte anos de lesão, o reencontro com esse corpo, agora menos maleável e flexível, só foi possível pela aceitação de que não há uma única estética e de que não há apenas um modelo de dançar, como outros profissionais da dança vem apontando nas últimas década. Reencontro este mediado por uma professora da dança, que atua utilizando a improvisação como técnica e caminho para aflorar o movimento, de dentro para fora. E por que a dança como eixo que guia o redespertar para a vida? Primeiro porque a dança, enquanto movimento do corpo {visível ou não} representa simbolicamente um espaço vital, representa o deslocamento de tempo, de espaço, entre pessoas, entre coisas e pessoas, entre. Da dança nascem possibilidades de expressão da multiplicidade e da intimidade, muitas vezes não suportadas pelos nomes e pelas palavras. Os significados da vida e seus sentidos em tantos momentos não comportam as linhas do papel, os textos do dicionário. E pela incapacidade de sermos em nossa totalidade sem o corpo e suas expressões, a dança surge como fio que pode nos levar a paisagens maiores, a novos sentidos para o viver, a outros modos de existência de si. Resultado: A retomada do meu movimento expressivo fez-me compreender a singularidade da minha história, marcada por uma dita anormalidade e por uma suposta falta do movimento, para encontrar exatamente nesta “deficiência física” seu antídoto. Ou seja, da falta de movimentar-me só me resta criar e movimentar. É possível haver em determinada parte do corpo movimentos que apresentem expressão e arte, se compreendemos criação como manifestação. Para encontrar a expressão e a arte nestes movimentos minimais, às vezes espásticos, descontínuos e até descontrolados, é preciso, de um lado ampliar a compreensão do ideal estético do bailarino e rever o ideal estético de dança e, de outro, repensar o próprio significado do que é dançar! É preciso encontrar de dentro para fora a si próprio, permitir conectar esse novo corpo e todas as novas maneiras de manifestação ao novo eu artístico que renasce desse reencontro consigo mesmo. Considerações finais: Neste percurso, aponto a necessidade de que nós, profissionais da saúde e, especialmente, atuantes no campo da Saúde Coletiva, nos arrisquemos a compreender nossa prática de forma mais conectada com uma concepção ampliada da saúde, afastando-nos de um modelo ainda hegemônico de corpo saudável e reabilitado. A arte, aqui vivenciada por meio da dança, se apresenta como um caminho possível e potente para tal: a arte pela arte. Neste sentido, ao mesmo tempo como trabalhadora da saúde e paciente ao longo de vinte anos, me sinto impelida a construir, compartilhar e criar com outros sujeitos, nos espaços educativos e de cuidado, dando luz ao corpo que tantas vezes e cotidianamente é restringido ao assento, ao lugar passivo e até à invisibilidade. Para tanto, há que se entender que qualquer corpo pode manifesfar-se artisticamente, e que dança para um sujeito com alguma deficiência física ou para qualquer outro sujeito não deve servir para repetir modelos estéticos, tampouco apenas para reabilitar funções. Mas trata-se de ressignificar o sentido da vida, numa reconciliação entre o corpo nascido de uma lesão medular, como é a minha história, e o sujeito nascido dessa experiência – uma mulher de muletas e dançante.