295: Residências multiprofissionais no âmbito da Atenção Básica
Ativador: ELAINE FRANCO DOS SANTOS ARAUJO
Data: 31/10/2020    Local: Sala 15 - Távolas de trabalhos    Horário: 08:00 - 10:00
ID Título do Trabalho/Autores
6087 RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO DE SANITARISTAS: A QUALIFICAÇÃO DA OBSERVAÇÃO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE A PARTIR DO USO DE CENAS
Neide Emy Kurokawa e Silva, Fernanda Vecchi Alzuguir

RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO DE SANITARISTAS: A QUALIFICAÇÃO DA OBSERVAÇÃO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE A PARTIR DO USO DE CENAS

Autores: Neide Emy Kurokawa e Silva, Fernanda Vecchi Alzuguir

Apresentação: O Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC/UFRJ promove o curso de residência multiprofissional em Saúde Coletiva desde 1996. Os campos de práticas são unidades de atenção primária e hospitais do Rio de Janeiro. Considerando que uma das capacidades do profissional de saúde e particularmente do sanitarista é a escuta, a observação e a análise de contextos locais, sociais, culturais, há 4 anos investimos na qualificação do olhar nos campos de práticas, na disciplina de Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CSHS). Ela é ofertada no 2o. ano do curso com duração de 60 horas e coordenada por duas professoras. Objetivo: Compartilhar a experiência metodológica que visou desenvolver a capacidade de observação, sistematização e análise dos contextos direta e indiretamente afetos aos campos de práticas da residência multiprofissional em Saúde Coletiva. Desenvolvimento: A construção da proposta metodológica teve duas versões. (2016-2017). Recorreu-se inicialmente ao aporte teórico-conceitual da observação participante, Adaptando-se a técnica, os estudantes registraram em diários as observações em seus respectivos campos de práticas, durante aproximadamente um mês, buscando captar a “carne”, o “sangue” e o “espírito” desses espaços, conforme proposto pelo antropólogo precursor dessa metodologia, Bronislaw Malinowsky. Nas aulas os diários foram compartilhados e buscávamos orientar tanto o conteúdo dos registros quanto o modo de realizá-los. Alem disso, os residentes levantaram temas-problemas, para serem analisados a partir do aporte das CSHS. Não obstante os alunos terem conseguido captar a estrutura e a dinâmica de funcionamento dos campos de práticas, alem de elegerem temas que foram analisados segundo referenciais abordados em sala de aula, avaliou-se a instabilidade na qualidade dos registros diários, justificado pela falta de tempo, posto que deveriam ser confeccionados pelo grupo de dois ou três residentes que atuavam no mesmo campo. Alem disso, o material oriundo dos registros, geralmente volumoso, dificultava a identificação e escolha de um tema para análise. (2018-2019). Para fazer face a essas dificuldades, acoplou-se ao aporte da observação participante o uso de cenas, método baseado no psicodrama e na pedagogia de Paulo Freire e desenvolvido pela professora e pesquisadora da USP, Vera Paiva. Considera-se que ao reconstituir e decodificar uma cena do cotidiano das práticas de saúde é possível compreender não apenas a especificidade da mesma mas o contexto mais amplo que a conforma. Primeiramente propôs-se um ‘treino’ que consistiu em assistir o episódio de um seriado nacional cujo enredo se passa em um hospital público. Desse episódio os alunos elegeram uma cena para realizar uma descrição densa, contemplando os elementos da observação participante (carne, sangue, espírito). Tal atividade permitiu aprofundar a problematização e a compreensão das situações apresentadas, passando-se então para a escolha de uma cena concreta dos campos de práticas dos residentes. Para a análise os alunos contaram com uma seleção de conteúdos e referencias previamente identificados pelas professoras, mas com possibilidades de substituição, dependendo das necessidades dos subgrupos. Assim, além dos aportes sobre o método etnográfico e o uso de cenas, foram apresentados e discutidos temas como o processo saúde, doença, cuidado; vulnerabilidade e direitos humanos; gênero e sexualidade; violência e saúde; processo de trabalho em saúde e equipe multiprofissional; educação em saúde, dentre outros. Resultado: Foram contempladas cenas cotidianas, para as quais nem sempre se dedica alguma atenção, como reuniões internas e capacitação de profissionais, atividades de educação em saúde, como o planejamento familiar, reuniões de accountability, encontros casuais entre residentes e preceptores. Ao decodificar os elementos das cenas, foi possível problematizar algumas situações que se reproduzem nos serviços e transcender a perspectiva estereotipada em relação a algumas atividades. A qualidade das fichas de notificação de agravos é um exemplo típico, que sempre é pautada por algum grupo de residentes. Para aqueles que atuam em setores de vigilância em saúde, a incompletude ou erros no preenchimento dessas fichas são muitas vezes tomados como desleixo dos profissionais responsáveis ou mesmo como falta de conhecimento dos mesmos acerca da importância dessa ação. Dentre as ‘soluções’ mais comuns, tanto para os responsáveis pela vigilância quanto para os próprios residentes, o treinamento/capacitação dos profissionais figura como o mais citado e praticado. Quando se decodifica a cena e se problematiza todos os outros elementos envolvidos, outras questões são levantadas como, por exemplo, o próprio significado dos dados. O que é feito com esses dados? Quem os utiliza? Qual o sentido do preenchimento para os trabalhadores do nível local? Que outras atividades (muitas vezes assistenciais) concorrem com o preenchimento de uma ficha? Sendo a vigilância em saúde um típico trabalho do sanitarista, a qualificação da observação e o exercício da problematização permitiu transcender velhos problemas e velhas soluções, ao menos no modo de ver os mesmos. Em uma outra vertente mais relacional, também vale registrar as cenas referentes a reuniões. Para alem de uma vaga avaliação de que  elas são improdutivas, vislumbrou-se a possibilidade de compreender a dinâmica das interações envolvidas, os diferentes interesses em jogo, as hierarquias de poder, as estratégias dos atores para a manutenção do status quo ou mesmo dos postos de trabalho. A decodificação dos elementos de uma simples reunião pode mostrar o quanto não são claros os seus objetivos, o quanto é difícil trabalhar em grupo, o quanto se reproduz padrões de comunicação violentos e o quanto as soluções dadas não são respeitadas. Uma terceira vertente bastante explorada pelas cenas são as atividades envolvendo práticas pedagógicas. No pais de Paulo Freire e da Educação Popular em Saúde, é digno de nota o modelo pedagógico verticalizado e conteudista que domina as práticas educativas e de comunicacionais em geral. É grande ainda a aposta na transmissão de informações e na mudança de comportamento, pouco se problematizando contextos mais gerais que vulnerabilizam a população aos agravos de saúde. Uma atividade de planejamento familiar que se ancora fundamentalmente na anatomia e fisiologia dos órgãos reprodutivos (em geral feminino) e nas informações técnicas sobre os principais métodos contraceptivos, ou que alardeia a chamada gravidez na adolescência, pode perder a oportunidade de superar o crivo moral por trás desse alardeio e indagar o por quê das jovens pobres estarem engravidando e não indo para a escola, como talvez seja o horizonte almejado para as filhas dos profissionais de saúde. Seria uma questão de escolha ou exatamente de falta de escolhas, de restrição de horizontes? O uso das cenas e a sua decodificação e sistematização permitiram levantar e debater questões como as apontadas, evidenciando a complexidade e a importância de se compreender as situações, e que elas comportam diferentes perspectivas de análise. Considerações finais: O processo relatado é fruto da preocupação com os interesses práticos que justificam um curso de residência multiprofissional e também da busca de referenciais das CSHS que possam contribuir com tais interesses. Alem dos temas tradicionalmente abordados no campo da saúde coletiva, investiu-se em uma abordagem metodológica que lidasse diretamente com uma das habilidades requeridas para o sanitarista, que lhe permita um olhar critico sobre a realidade e, sobretudo, instigue o residente a buscar propostas inovadoras no campo da saúde ou, conforme Paulo Freire, que provoque a construção de ‘inéditos viáveis’.

6914 PSE – Programa Saúde na Escola, como forma de promoção da saúde. Um relato de experiência das residentes em Saúde da Família ENSP Fiocruz.
Maria Carolina Rezende Simonsen, Andresa Barbosa Candido, Geisa Moreira de Jesus, Laís Soares Faria de Souza, Larissa Borlin Ladeira Ontiveros, Mariana Espíndola Robin, Natasha de Jesus de Carvalho

PSE – Programa Saúde na Escola, como forma de promoção da saúde. Um relato de experiência das residentes em Saúde da Família ENSP Fiocruz.

Autores: Maria Carolina Rezende Simonsen, Andresa Barbosa Candido, Geisa Moreira de Jesus, Laís Soares Faria de Souza, Larissa Borlin Ladeira Ontiveros, Mariana Espíndola Robin, Natasha de Jesus de Carvalho

Apresentação: O PSE - Programa de Saúde na Escola (política intersetorial da Saúde e da Educação, instituído em 2007, com o objetivo de promover saúde e educação integral dos estudantes da rede pública de ensino) é também um dos programas que compõem a carteira de serviços da Atenção Primária. Ao iniciarmos nossa imersão enquanto residentes multiprofissionais do programa de residência em Saúde da Família da Escola Nacional de Saúde Pública, no processo de trabalho desenvolvido pela Clinica da Família Anthidio Dias da Silveira, e da Equipe Viúva Cláudio, a qual estamos inseridas, entendemos que seria importante conhecer o trabalho realizado pelos profissionais na escola pertencente ao território de abrangência da equipe, o Colégio Estadual Horácio Macedo. O presente trabalho tem por sua vez o objetivo então, de apresentar a experiência desenvolvida por nós residentes neste colégio, durante o segundo semestre de 2019. A fim então de nos aproximarmos das três séries que cursam o ensino médio do Colégio Estadual Horácio de Macedo, inicialmente nos apresentamos para cada turma dos três anos letivos nos diferentes encontros, por meio de uma dinâmica. Com um barbante, pedimos para que cada aluno se apresentasse e dividisse conosco uma coisa que gosta de fazer. A partir disso, pedimos que jogasse o barbante para quem tiver distante, com a intenção de criar uma teia entre eles. Por fim, colocamos uma caneta no centro da teia de barbante e os desafiamos a encaixá-la dentro de uma garrafa A ideia foi poder tanto conhecê-los e nos apresentarmos, como levantar o debate sobre a importância do trabalho coletivo para conclusão de uma tarefa, de escutar um ao outro, fortalecimento da união de um grupo, da integração entre os alunos e da relevância de cada um nos processo final. Também trouxemos a tona neste primeiro momento, uma caixa lúdica para que eles pudessem colocar sugestões de ideias para os próximos encontros. Com essa ferramenta, embasamos nossos discursos sobre o que significa o trabalho desenvolvido pelo PSE e o que buscamos construir junto com eles durante a realização destas atividades, ressaltando sempre a centralidade da construção conjunta entre nós e eles, fugindo do modelo tradicional apenas de transmissão de conhecimentos, A partir destas ideias estruturamos então um cronograma de atividades para serem realizadas ao longo do próximo semestre. Dentre os vários conteúdos que surgiram, observamos que o que apareceu com mais prevalência foi o debate sobre saúde sexual e reprodutiva. Diante disso, trouxemos este tema para três turmas de primeiro ano nos nossos próximos encontros. Foi muito interessante, nas duas salas que desenvolvemos a dinâmica, perceber as dúvidas que eles têm sobre o tema, os posicionamentos que possuem, e como debatem de maneira livre tais questões. Surgiam dúvidas relacionadas a tanto a métodos contraceptivos, como pro exemplo o de emergência, e a infecções sexualmente transmissíveis, como também a “idade certa” para se relacionar, as questões éticas envolvidas no atendimento na clínica para abordar a sexualidade dos adolescentes. Meninas se colocaram falando muito do quanto o desejo delas deve ser respeitado marcando a importância de se falar sobre consentimento, sobre sexo seguro e sobre respeito. Os meninos também fizeram perguntas, relacionadas à probabilidade de algum método não ser eficaz, e sobre o respeito ao desejo do outro quanto ao sexo. Alguns jovens levantaram a questão da gravidez, questionando-se sobre o melhor momento para engravidar: “com um emprego estável e uma vida digna” (sic). Mediamos à conversa algumas vezes falando sobre a importância de separar a prática do sexo com o a gravidez. Pautamos também o debate sobre moralismo – entendemos como necessário não passar por cima da vontade do outro, respeitando caso essa seja diferente, e ainda da importância de se atentar a idades muito discrepantes entre os parceiros, pois meninas ou meninos muito mais jovens possuem autoconhecimento sobre o corpo e processo de tomada de decisão ainda em processo de desenvolvimento. Por fim, concluímos a atividade com um jogo de ligar pontos – material desenvolvido na clinica – com perguntas e respostas a cerca de três infecções sexualmente transmissíveis (sífilis, gonorreia e HIV), a respeito das formas de transmissão, sintomas e do tratamento. Entendemos o PSE como forma de promoção da saúde, visto que por meio do desenvolvimento das atividades construídas na escola Horácio de Macedo, pudemos nos aproximar de um público que tem seu acesso muito restrito as clínicas da família, e aos espaços de produção de saúde como um todo, onde acessam e entendem a unidade de saúde a partir de uma condição de doença ou problema. Pudemos participar de debates muito enriquecidos a respeito de temas bastante presentes no desenvolvimento da saúde do adolescentes, construindo um espaço de liberdade de conversa, expressão, respeito, diálogo e construção coletiva. Potencializando as atividades desenvolvidas no programa saúde na escola com atividades além do que já é tradicional do programa, muitas vezes focado na saúde bucal e prevenção de doenças, mas também trazendo outras possibilidades através da música, desenhos, jogos e artes. Sempre utilizando-se de metodologias dialógicas e participativas, com  objetivo de construir junto com eles e não para eles. Sendo assim, concluímos que a participação no desenvolvimento do Programa Saúde na Escola, foi potente não apenas para a escola e a aproximação da saúde com a educação, mas para o nosso processo de trabalho e aprendizagem. A Residência Multiprofissional em Saúde da Família é um programa de aprendizagem também através da prática no trabalho, e construir em conjunto entre nós residentes e os alunos atividades e metodologias ativas para a discussão e debate de temas relacionados a saúde, desenvolvimento e cidadania foi muito enriquecedor. Acreditamos que a troca de saberes e experiências, valorizando o saber de cada um, exercer a escuta e as falas de todos e todas só contribui para o fortalecimento de práticas de saúde e educação. Compreendemos a importância de um olhar diferenciado a saúde do adolescente, uma vez que este está em um processo de transição da vida infantil para a adulta e pode apresentar questões que permeiam os dois lado. Faz-se importante para isso, o uso de uma linguagem próxima a deles é uma escuta qualificada, para compreender as suas principais demandas e promover saúde.

7024 A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE FLUVIAL COMO INSTRUMENTO DE ATENÇÃO À SAÚDE RIBEIRINHA EM TEFÉ (AM): UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Anna Carolina de Souza Nóbrega, Eduardo Fernandes Felix de Lima, Thaysa Pereira Marinho

A UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE FLUVIAL COMO INSTRUMENTO DE ATENÇÃO À SAÚDE RIBEIRINHA EM TEFÉ (AM): UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Autores: Anna Carolina de Souza Nóbrega, Eduardo Fernandes Felix de Lima, Thaysa Pereira Marinho

Apresentação: Trata-se do relato de um estágio eletivo de três residentes, desenvolvido no âmbito do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ). Tal experiência se deu no período de 30 de junho a 16 de agosto de 2019, e teve como objetivo principal o acompanhamento da rotina de trabalho de uma Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF) no atendimento às comunidades ribeirinhas do município de Tefé, no Amazonas. Desenvolvimento: O município de Tefé, localizado no centro da Amazônia Internacional, possui cerca de 59.849 habitantes, com uma área territorial de 23.692 km². Cerca de 20% da população do município está distribuída em 131 comunidades ribeirinhas. Considerando a dificuldade acesso da população ribeirinha ao serviços públicos na cidade, uma das formas de assistência à saúde desta população é através da Unidade Básica de Saúde Fluvial, utilizada para atender às comunidades mais distantes do território fixo do município. As comunidades são divididas por áreas e possuem equipes de saúde fluvial específicas. A equipe de saúde acompanhada durante o período do estágio é responsável pela assistência da área 21, que abrange 20 comunidades distribuídas ao longo do Rio Tefé e Curumitá. A UBSF conta com uma equipe multiprofissional composta por dois enfermeiros (responsáveis pela gerência da unidade de saúde), uma médica (esta área não tem um médico fixo, há um revezamento durante o ano), uma dentista, dois técnicos de saúde bucal, uma técnica de laboratório, uma assistente social e cinco técnicos de enfermagem (distribuídos entre recepção, coleta de exames e procedimentos, imunização e farmácia). Além disso, uma pessoa responsável pela cozinha e uma pela limpeza. Quatro pontos de apoio, que contam com um(a) técnico(a) de enfermagem cada, dão suporte e facilitação nas questões de saúde das comunidades, além de doze microscopistas. A UBSF era estruturada em três níveis. O primeiro, submerso, onde se localizava a sala de máquinas da balsa. O segundo, onde se encontrava a unidade de saúde, composta de recepção com um banheiro para os usuários e um para os funcionários; uma sala de atendimento odontológico; uma sala de atendimento médico; uma sala de atendimento de enfermagem; uma sala de procedimentos; um laboratório; uma sala de vacina; uma farmácia. No terceiro nível se localizava a sala de comando, dois banheiros, seis camarotes, cozinha, refeitório e lavanderia, além de um terraço onde se localizava o reservatório de água. As viagens acontecem a cada dois meses, com exceção do período de vazante devido a dificuldade do acesso às comunidades com a balsa. Durante o período da viagem, acompanhamos as ações da equipe no território, envolvendo imunização e educação em saúde, e nos atendimentos de enfermagem e médico. Resultado: Encontraram-se comunidades esvaziadas por conta do deslocamento dos moradores à cidade. As primeiras ações da equipe se dão dentro da escola comunitária (imunização e educação em saúde). Observou-se um padrão semelhante de agravos (ITU e parasitoses) entre as comunidades, associado ao saneamento deficitário e práticas de higiene, e de saúde bucal (extração dentária). O tamanho populacional e territorial/espacial é discrepante entre as  comunidades. Nesse sentido, pensar o olhar para o território significa considerar diversos pequenos territórios, cada um com suas singularidades. E não um planejamento em saúde que generalize tais comunidades. Nesse sentido, os três residentes se empenharam na elaboração de mapas para cada comunidade visitada, destacando as moradias, aspectos geográficos, ambientais, sociais e todos os equipamentos comunitários (recursos) existentes, bem como marcando os problemas identificados em cada comunidade e áreas de risco, como forma de auxiliar a equipe  no que seria um processo inicial de territorialização. Para o acesso a algumas comunidades e localidades, fez-se necessário o uso de uma embarcação menor (voadeira) visto que a balsa da UBSF não consegue atracar ou trafegar em afluentes estreitos ou de baixa profundidade. As atividades de atendimento aos comunitários não seguem o horário comercial estabelecido nas unidades urbanas, sendo comum a realização de horários estendidos de atendimentos, sem folgas semanais ou em possíveis feriados. Não há um horário pré-estabelecido para chegada da UBSF às comunidades, o que implica no atracamento da unidade também no período noturno, configurando um risco potencial já que à noite a visualização de animais é dificultada. O planejamento das viagens da UBSF é limitado pelo regime de cheias e vazantes, contrariando a rigidez da recomendação de uma viagem a cada dois meses. Nesse caso, o “território líquido” surge como um componente que conecta pessoas, serviços e instituições e não como uma barreira geográfica, como geralmente é tratado  pela geografia física e quando se fala em acesso à saúde. Além disso, o acesso à saúde prestado esbarra na dinâmica comunitária, que nem sempre favorece o comparecimento à UBSF, tendo em vista as atividades rotineiras dos comunitários como caça e pesca. Visto que a inserção nas comunidades foi pontual, não foi possível estabelecer vínculo com os comunitários que permitisse obter informações acerca das práticas tradicionais de saúde ou práticas alternativas de cuidado. Destaca-se nesse trabalho da UBSF os membros da tripulação, composto por dois responsáveis pela condução da balsa e voadeira (sendo um deles o comandante) e dois  responsáveis pela casa de máquinas. Aqui verificou-se um importante corpo de conhecimentos que extrapolam a assistência à saúde, pois era a leitura do rio, feita pelo comandante, que avaliava as condições que favoreciam ou não o tráfego da presente e futuras viagens da UBSF. A adaptação na UBSF envolve um processo de desterritorialização, caracterizado pelo encontro entre práticas previamente naturalizadas em nossas “instituições de origem” com as práticas do local onde estávamos inseridos, sendo responsável por rupturas de conceitos já enraizados em nossa atuação como sanitaristas. Considerações finais: Planejar ações de saúde para um território complexo e influenciado pela dinâmica do rio é um desafio para a atenção básica de Tefé. Compreender as relações da população ribeirinha com a saúde implica no conhecimento do território, parte essencial no processo saúde-doença dessas comunidades, que precisa ser enxergado em sua complexidade particular, não como um território de ausências. Ao criar novos modos de atenção à saúde, o SUS utiliza-se da potência desse território líquido, fortalecendo, legitimando e dignificando os modos de vida dessa população, que ainda resiste de certa forma ao processo de urbanização e globalização dos modos de vida contemporâneos. Portanto, a UBSF é um instrumento de acesso à saúde importante na perspectiva do cumprimento dos atributos da atenção primária. Compreendendo a complexidade do trabalho executado pela equipe de saúde fluvial, faz-se necessário que uma política específica para a assistência das comunidades ribeirinhas exista de forma a subsidiar ações de saúde que contemplem as particularidades em seus modos de vida e na relação com o território. Sob o risco de que um trabalho que necessita de uma natureza flexível, que se adeque às condições do meio em que atua, fosse influenciado por uma lógica de um território fixo, evitando que “aquilo que flutua também pudesse estar amarrado”.

7061 A EXPERIÊNCIA DA FORMAÇÃO NO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA DA ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SÉRGIO AROUCA
marcelo pereira gonçalves, beatriz farias do nascimento, CAROLINE GRADIM MORAES, HANNAH CAROLINA TAVARES DOMINGOS, CLARA DA SILVA CAMATTA, SILVANA AMARAL DOS REIS, TATIANA WARGAS DE FARIAS BAPTISTA, VANESSA COSTA E SILVA

A EXPERIÊNCIA DA FORMAÇÃO NO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA DA ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA SÉRGIO AROUCA

Autores: marcelo pereira gonçalves, beatriz farias do nascimento, CAROLINE GRADIM MORAES, HANNAH CAROLINA TAVARES DOMINGOS, CLARA DA SILVA CAMATTA, SILVANA AMARAL DOS REIS, TATIANA WARGAS DE FARIAS BAPTISTA, VANESSA COSTA E SILVA

Apresentação: Este trabalho se propõe a colocar em análise a experiência formativa no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família (PRMS) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, no município do Rio de Janeiro. É um marco do final de uma trajetória de dois anos e, portanto, conta uma história, a nossa. Somos seis profissionais com o desafio de produzir uma escrita comum e que escolhemos originalmente abordar o tema da formação, utilizando nossa experiência no PRMSF como caso a ser analisado. A temática da formação apareceu para nós como elemento integrador daquilo que fomos reconhecendo, entre nós seis, como desconfortos, inquietações e interrogações nesses dois anos. Neste sentido, ao abordarmos o tema da formação, o trabalharemos a partir de múltiplas perspectivas, de modo que para melhor expressar essa nossa multiplicidade, só poderíamos, também, trabalhar com uma variedade de metodologias, escritas e formas de análise. Tomaremos a formação, aqui, portanto, sob as perspectivas apresentadas ora por Ricardo Ceccim e Emerson Merhy no que diz respeito a suas contribuições para uma perspectiva de formação em saúde a partir de uma lógica da Educação Permanente em Saúde, e ao Quadrilátero da formação Ceccim e à aposta metodológica Merhy; ora por Paulo Freire, que nos convida a reflexões sobre as hegemonias na nossa formação e o nosso lugar de protagonismo no processo de aprendizagem; ora por Jorge Larrosa, trabalhando a partir das produções de sentido que essa experiência de formação construiu e constrói para nós. A proposta é ir costurando uma colcha de retalhos com nossas diferentes perspectivas de uma formação em saúde, desenhando um contorno para o que vivemos que será sempre aberto e capaz de compor as nossas diferenças e engendrá-las em sentidos sempre temporários. Nesse sentido, trabalhar com saúde no Brasil implica em trabalhar com diferentes abordagens, técnicas e olhares, se propondo a produzir saúde em seu sentido ampliado. Como criar essa mudança de prática em saúde de historicidade tão biomédica se as formações em saúde modelam os profissionais a trabalharem de modo fragmentado? Ampliando as profissões do escopo da saúde e oferecendo uma formação voltada para a efetivação desses princípios que coloca diferentes categorias e abordagens em contato desde cedo, a fim de construir um trabalho comum. Essa é a proposta de uma formação multiprofissional em saúde: formar profissionais que façam operar a integralidade do cuidado como princípio de suas práticas. Na residência multiprofissional, é preciso realizar um deslocamento de núcleo no processo formativo. Vários de nós vêm de uma formação com uma herança bastante técnica e biologicista, que pouco abordou aspectos das ciências sociais e humanas em seus currículos. Todavia, outros são formados com um olhar mais voltado para as ciências humanas e sociais, tendo menos contato com questões biológicas propriamente ditas. É nesta mistura de categorias que se compõe o encontro dos diferentes núcleos de saber, a fim de produzir uma formação comum e crítica aos modos vigentes de produção de cuidado. Considerando as afirmações acima, sustentamos fazer aqui uma discussão, construída em equipe multiprofissional, sobre o nosso próprio formar-se em saúde, a partir daquilo que nos afetou e nos fez produzir um deslocamento sobre como atuávamos e pensávamos as nossas formas de agir no mundo e no cuidado em saúde. Nos debruçamos coletivamente sobre nosso processo formativo para colocá-lo em análise nos forçando a, ao longo da própria escrita, irmos considerando esses modos de formar. Foi no próprio escrever que pudemos nos conectar, entre nós, com uma posição de protagonismo na invenção dessa história que iremos contar. Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi analisar a experiência da formação no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da ENSP/Fiocruz durante o período de formação da turma 2017-2019. Tecemos uma escrita em primeira pessoa, assumindo nossas experiências como fonte de reflexão e de transformação, para colocarmos em análise alguns desafios que encontramos pelo caminho. Para tanto, realizamos uma abordagem qualitativa exploratória, em função do caráter reflexivo deste estudo, que não pretende desvincular-se do pesquisador em relação ao objeto estudado, senão a sua aproximação por se tratar de uma experiência vivenciada. Quando há uma identificação entre o objeto e o pesquisador, ele se envolve e se compromete não conseguindo se distanciar. Assim, para podermos dar contorno a objetos que se confundem conosco, utilizamos de variadas metodologias, trazendo a cena a perspectiva de outros atores presentes em nossas vivências, somando-a às nossas, sem, no entanto, negá-las ou subordiná-la uma a outra. Quando necessário, afirmamos paradoxos e contradições presentes, como elementos compositores de uma experiência múltipla. A fim de atender aos objetivos do estudo, foram utilizadas fontes primárias para a coleta de dados, tais como: diários reflexivos, grupo focal, entrevistas, bem como fontes secundárias por meio de revisão bibliográfica e de análise documental para construção do referencial teórico. Por fim, encerramos com uma reflexão sobre os sentidos que essa experiência de formação desenhou para nós, fazendo aparecer a nossa grupalidade como elemento potencial de transformação. O trabalho em saúde exige uma abertura à diferença, estamos sempre entre muitos, seja com o paciente seja com outro profissional. Formar-se em bando é uma potência de construção de sensibilidade ao outro, de não colonização e de afirmação da vida em suas mais variadas formas. Experimentamos, em bando, um modo ético de produzirmos saúde, a partir dos múltiplos sentidos que nosso encontro operou em cada um de nós. Neste sentido a ética é antes de tudo uma atitude, um modo de nos conduzirmos sempre em aberto, que busca escapar aos caminhos da dominação e da colonização de si e do outro. Implica um certo desconforto, uma inquietude constante que faz emergir o pensamento, a problematização e a crítica; tudo o que faz o nosso modo naturalizado de se deixar de ser e tornar-se a vir a ser. Trata-se de permitir-se afetar e ser afetado e alterar o modo como nos conduzimos eticamente, tanto num plano profissional quanto pessoal. Existe um comum entre a produção de cuidado e a produção pedagógica que se faz pela dimensão subjetiva e relacional contida em ambas: só é possível cuidar e formar quando assumimos o outro como sujeito e nos deixamos afetar e transformar por esse encontro com a alteridade. Em nosso caso, nos (trans) formamos no exercício de construção de uma grupalidade que sustentou e cuidou do diferir que fomos criando singular e coletivamente. A residência possibilitou para nós a construção de muitos espaços de encontro. Espaços que são diferentes entre si, mas que ao mesmo tempo tem algo de comum que os circunda. Para nós, este comum foi precisamente a possibilidade de coletivização, um esforço de crítica aos nossos modos acostumados de ser a partir dos encontros entre nós. Foi a experimentação de uma potência do grupo na possibilidade de abrirmo-nos a afetarmo-nos uns com os outros, deixando de ser aquilo que se era experimentar estar juntos em desassossego: No limite do que já sabíamos nos encontramos para descobrir o que ainda não sabíamos, para conhecer outros modos de existência, nos interrogarmos, estabelecermos novas relações com o trabalho, uns com os outros, com nós próprios e com a vida. Nossos nós enovelados e em fios soltos, disponíveis a costurar novas tessituras em uma vida incorporada, vivida, que encontra os meios de sua própria afirmação.