294: Potencialidades e desafios das Residências Multiprofissionais
Ativador: Júlio Cesar Nicodemos
Data: 30/10/2020    Local: Sala 15 - Távolas de trabalhos    Horário: 16:00 - 18:00
ID Título do Trabalho/Autores
7744 DA REDEMOCRATIZAÇÃO ÀS RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS: POR UMA PSICOLOGIA COMO PRÁTICA DO ENCONTRO E CONSTRUÇÃO DO COMUM
Gabriela Di Paula Dias Ribeiro, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira, Márcio Mariath Belloc

DA REDEMOCRATIZAÇÃO ÀS RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS: POR UMA PSICOLOGIA COMO PRÁTICA DO ENCONTRO E CONSTRUÇÃO DO COMUM

Autores: Gabriela Di Paula Dias Ribeiro, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira, Márcio Mariath Belloc

Apresentação: A entrada da psicologia na saúde foi influenciada por diversos fatores entre eles a reforma psiquiátrica; fruto do movimento dos trabalhadores da saúde mental e do movimento da luta antimanicomial. Em 1985, o país vivia uma intensa mobilização popular, demandas políticas movimentadas pela redemocratização do Brasil somada à iminência da elaboração de uma nova constituição, com avanços sociais relevantes e algumas marcas conservadoras. Era um momento de luta e “esperança” para uma parte da sociedade brasileira que buscava a prevalência de direitos humanos, de cidadania, seguridade social, educação e saúde. Ademais das questões sociopolíticas o país estava imerso em uma crise econômica com o avanço neoliberal. Outro ponto relevante nesse período foi o rearranjo social que obtinha novos ares e retomava a sua organização, a citar uma maior ação política do Sindicato de Psicologia e do Conselho Federal, bem como do Conselho Regional de São Paulo. Tais mudanças em conjunto com o crescimento dos campos de atuação trouxeram um olhar sob a psicóloga para além do profissional autônomo, mas sim como um trabalhador constituído de atitude política, com uma intervenção sindical entre outras formas de organização do seu fazer e novas discussões acerca da profissão e da implicação psi nas discussões daquele período, como a sua inserção nas políticas públicas, a citar a área da saúde. É nessa conjuntura que a psicóloga adentra a saúde, a inclusão desse profissional nas políticas públicas é consequência de constantes transformações provocadas pelas práticas e demandas da população e não necessariamente em decorrência de um arcabouço teórico e metodológico, mas sim por meio de uma urgência da assistência. No Brasil, a psicologia insere-se no campo da saúde coletiva principalmente via SUS; seus princípios e diretrizes solicitam uma reinvenção da intervenção psicológica para além da atuação clínica individual, privativa e ambulatorial. Exige uma compreensão do processo saúde-adoecimento-atenção, uma intervenção contextualizada conforme a região do usuário, a sua história, condições econômica, social e cultural. Outrossim, a psicóloga tem a oportunidade de se reinventar a partir do acesso às demandas reais da população, de ações preventivas, educativas e de reabilitação para além do modo clínico individual; em contato com outros saberes – inclusive o saber do usuário. Inserida em equipes multiprofissionais, ao realizar grupos terapêuticos, ações que promovam autonomia, cidadania, bem-estar, protagonismo e a redução do sofrimento psíquico do usuário. O contexto da saúde convida a psicologia para posicionar-se a respeito da sua contribuição com as condições de vida da população brasileira em prol de uma assistência integral. Percebe-se, assim, que a psicologia ao longo dos anos ganhou espaço no campo da saúde, expandiu a sua área de atuação e a sua capacidade teórica/técnica para intervir. Um dos espaços que a psicologia adentrou foram os programas de residência multiprofissional em saúde. A primeira residência multiprofissional em saúde no Estado do Pará foi desenvolvida em 2010 no Hospital Universitário João de Barros Barreto em parceria com o Hospital Público Ophir Loyola, o Hospital Universitário Betina Ferro de Sousa e Unidades Básicas de Saúde vinculado à Universidade Federal do Pará, ofertou 20 vagas, 10 para a área de concentração em Oncologia envolvendo as seguintes categorias profissionais: Psicologia, Biomedicina, Nutrição, Farmácia, Enfermagem e Odontologia, e 10 para o programa Saúde do Idoso que abrangia Psicologia, Farmácia, Enfermagem e Fisioterapia. Uma formação coletiva inserida no cotidiano do serviço em saúde requer uma atenção integral, envolve saberes que se intercruzam a fim de dar conta da complexidade da pessoa que busca assistência e exige disponibilidade interna dos diversos profissionais que compõem o cuidado em saúde. Busca-se com este trabalho refletir acerca de como o fazer da psicologia dialogar com os diversos saberes que compõem a equipe de saúde a fim de construir uma assistência de modo coletivo a partir da sua inserção em programas de residência multiprofissional em saúde? Tal questão faz parte de uma pesquisa de mestrado desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará, apresentada em junho de 2019. Utilizou-se a metodologia clínico-qualitativa, foram entrevistadas sete psicólogas residentes egressas selecionadas, por meio da amostragem não probabilística “bola de neve”. Os resultados obtidos apontam que os espaços construídos para uma assistência à saúde a partir de uma perspectiva multidisciplinar, transdisciplinar e interdisciplinar são alcançados de modo mais efetivo e consistente entre os próprios residentes. Considerando que sentem que possuem em comum o ser residente que os vincula e traz um caráter de identificação entre elas, que as aproxima e facilita a troca de saberes e vivências. Assim como propicia disponibilidade interna para a psicóloga residente sair de um lugar de saber e transitar no não saber a fim de aprender com o outro a respeito de distintas áreas de conhecimento em prol do cuidado ao usuário e do serviço de saúde. Contudo, observou-se em alguns momentos a não compreensão acerca do lugar das residente multiprofissional, com impacto na integração das mesmas com a equipe de saúde, promovendo nos profissionais dos serviços atitudes que excluem as residentes da equipe. Uma incompreensão que passa obviamente pela organização do programa de residência, mas que é fruto de uma prática atravessada pelo discurso biomédico hegemônico e o modelo flexneriano centrado na especialidade, que toma ainda mais fôlego em um contexto de expansão do capitalismo neoliberal sobre as práticas e políticas de saúde. Esta situação merece atenção, visto que uma das ferramentas principais nos ambientes de saúde são as tecnologias leves, tratadas como menores no modelo em expansão, interferindo diretamente nas práticas de cuidado ofertadas aos usuários. Uma forma de trabalho que dificulta a necessária relação dialógica entre todos os atores que fazem parte das redes de atenção à saúde. É a partir do vínculo construído, das relações interpessoais entre os diversos profissionais de saúde que compõem o serviço que o cuidado em saúde acontece. São atos vivos em saúde que chegam até o usuário, a sua família, ou seja, é a partir da micropolítica que o diálogo entre os múltiplos saberes pode transitar e abrir frestas para uma assistência coletiva e inclusivo; considerando o saber do usuário. Um trabalho vivo acontece no tecido celular das relações que se permitem o não saber como uma ferramenta potente para a costura de um fazer saúde integral. Tecido por diversas mãos com um fim em comum. A residência multiprofissional ao facilitar práticas multiprofissionais, transdisciplinares e interdisciplinares, a despeito de ocorrerem de forma mais fluída entre os próprios residentes e com dificuldade entre os outros membros da equipe, tenciona práticas instituídas, movimenta e transforma os espaços de saúde, viabiliza a inserção de diversas categorias profissionais que com a sua presença sensibilizam e contribuem com a assistência e exigem da equipe do serviço competências e habilidades na dimensão subjetiva e relacional. Defendemos, assim, a formação e a prática de uma psicologia, que retoma os princípios da luta antimanicomial, que se funda na produção de vida e cidadania da redemocratização brasileira, no caráter multi-inter-trans das residências, na construção inventiva e contra-hegemônica de um comum que seja garantia da dimensão mais subjetiva. Uma prática do encontro, crítica e reflexiva, para uma construção coletiva de saúde, na qual, todos são parte do processo e precisam estar implicados com essa construção. 

8096 SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE COMO ESTRATÉGIA DE QUALIFICAÇÃO DO TRABALHO MULTIPROFISSIONAL
Rhanna da Silva Henrique, Sophia Rosa Benedito, Bárbara Cristina Boscher Seixas Pinto, Adriele Campos Moreira, Marina Ribeiro dos Santos, Viviane Liria Costa de Souza, Sofia Camargo Collet

SERVIÇO SOCIAL E SAÚDE: EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE COMO ESTRATÉGIA DE QUALIFICAÇÃO DO TRABALHO MULTIPROFISSIONAL

Autores: Rhanna da Silva Henrique, Sophia Rosa Benedito, Bárbara Cristina Boscher Seixas Pinto, Adriele Campos Moreira, Marina Ribeiro dos Santos, Viviane Liria Costa de Souza, Sofia Camargo Collet

Apresentação: O presente relato tem o objetivo de compartilhar a experiência de uma atividade de educação permanente em saúde, realizada entre residentes multiprofissionais do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz). A equipe é composta por assistente social, cirurgiã-dentista, educadora física, enfermeira, farmacêutica, nutricionista e psicóloga e desenvolve suas atividades de campo em uma Unidade de Saúde da Família, localizada na favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro. No local, a composição do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) não conta com assistente social, o que impôs desafios para a inserção da residente da categoria no cenário de prática. Dessa forma, durante o processo de trabalho, foi notada uma lacuna decorrente da própria formação acadêmica de algumas profissões, muito centrada nos núcleos profissionais e pouco voltada para o campo de Saúde Pública. Assim, eram comuns os relatos das outras residentes sobre ter dificuldades de incluir o serviço social na dinâmica do processo de trabalho, uma vez já que as possibilidades de atuação são diversas e, muitas vez, não têm contornos muito óbvios. Essa dificuldade não se restringe ao serviço social, o que nos obriga a diariamente encontrar estratégias para tentar superar a fragmentação dos saberes, avançando rumo à integralidade. A atividade se constituiu como uma roda de conversa entre as residentes, mediada pela assistente social e contou com uma apresentação gráfica produzida pela mesma, como material facilitador. Foram usados três documentos legais como referenciais teóricos norteadores: Parâmetros para atuação de assistente sociais na Política de Saúde (2010), Código de Ética do Assistente Social (Lei 8662/93) e Caderno de Atenção Básica nº 27 (CAB 27), cuja abordagem é centrada nas diretrizes do NASF (2009). Num primeiro momento, foi abordada a relação entre serviço social e saúde. A profissão que não se restringe à saúde e se constitui como generalista, tendo várias possibilidades de inserção em diferentes políticas, tem como principal objeto de intervenção a “questão social”. Assim, convoca as outras profissões do campo da Saúde Pública a um olhar mais atento para o contexto e o processo de saúde e doença nele produzido. Foram apresentados autores e textos que relacionam o projeto ético político da profissão com a Reforma Sanitária Brasileira (Matos, 2003; Bravo & Matos, 2004), os princípios fundamentais da profissão, a atuação e competências específicas do serviço social na saúde, as competências profissionais de modo geral e as atividades privativas. O grupo foi reconhecendo dentro desses itens quais atividades se relacionavam com o processo de trabalho já estabelecido, podendo reconhecer o trabalho da assistente social em outras atividades para além das orientações sociais a indivíduos e famílias. Quanto às atribuições privativas, foram feitas duas perguntas para reflexão coletiva: “O que só você pode fazer? Como essas atribuições privativas do Serviço Social impactam o seu processo de inserção na equipe multidisciplinar na residência?” A partir desses questionamentos, viu-se que, dentro da saúde, poucas são as atividades que apenas a assistente social pode fazer. Isso explica, inclusive, esse “não lugar” muitas vezes relegado à profissão e dificuldade de acessar a profissional. Em seguida, foi apresentado um esquema para se pensar no acesso à assistente social. Foi dividido em duas dimensões para fins de didática: trabalhadores e população usuária. Entre os trabalhadores, havia três divisões: todas as equipes mínimas da clínica, a equipe de estratégia de saúde da família na qual a equipe de residentes está inserida e, por último, a própria equipe de residentes. Já no que tange à população, as demandas foram divididas em espontâneas e programadas. A visão das profissionais foi contrastada com a visão da própria assistente social, que elencou sua atuação centrada em demandas de desemprego/subemprego; questões burocráticas; problemas com INSS; acesso ao Benefício de Prestação Continuada; contato com a rede intersetorial; questões decorrentes da falta de rede familiar; casos complexos, nos quais as equipes já tentaram muitas vias e não obtiveram êxito, recorrendo ao serviço social em última instância; e, por fim, demandas que já chegam à assistente social com ações já definidas do que esperam dela. Outro tópico abordado na atividade de educação permanente foi a relação entre serviço social e psicologia. Como na gênese da profissão havia de fato uma visão psicologizante, ainda que a categoria tenha passado por um processo de reconceituação, essa perspectiva está arraigada na imagem da profissão. No contexto dessa unidade de saúde da família, a falta de assistente social no organograma pode ser um dos fatores que expliquem a sobrecarga de trabalho das psicólogas, tanto do NASF quanto das residentes, sendo delegadas somente à Saúde Mental questões diretamente ligadas com as condições sociais de vida da população. Após apresentado material elaborado pelo Conselho Regional em Serviço Social, foi proposta uma atividade a ser realizada coletivamente com o objetivo das residentes refletirem o potencial das duas profissões trabalhando conjuntamente. Foram elencadas 3 situações: abuso sexual infantil; abandono de idosos e violência doméstica. São demandas que aparecem com frequência na unidade e, geralmente, apenas a psicóloga é vista pela equipe mínima como profissional apta a conduzir o caso. Na continuidade, foram apresentadas demandas comumente delegadas às assistentes sociais, mas que não são atribuições das mesmas e na sequência, discutidas sete dimensões complementares e indissociáveis do trabalho de assistentes sociais na saúde: assistencial; mobilização, participação e controle social; planejamento e gestão; qualificação e formação profissional; assessoria; socioeducativa e equipe. Em cada uma delas foi realizado o exercício de associar os itens que as compõem com o trabalho desenvolvido pela própria equipe, de forma a reconhecer essas dimensões inseridas no cotidiano profissional. Por fim, foram apresentadas as partes do CAB 27 que tratam especificamente sobre as possibilidades de atuação conjunta com o serviço social. Novamente as residentes refletiram, baseadas em documentos legais, sobre seu cotidiano profissional. A partir dessa atividade, foi possível perceber que, além da capacitação das outras residentes para ampliarem o escopo de possibilidades conjuntas com o serviço social, foram visibilizadas as atividades que já eram realizadas. Assim, houve, na verdade, uma qualificação no sentido de saber reconhecer o trabalho já em curso, entendendo-o não como uma característica individual da assistente social residente, mas sim como competências e atribuições da profissão. Além disso, a própria assistente social, durante o planejamento e execução da atividade, estava em processo formativo. Ao refletir sobre a sua inserção na unidade e na equipe de residentes, pode traçar estratégias para qualificar seu processo de trabalho e refletir sobre aspectos antes invisibilizados. Por fim, a ferramenta utilizada se mostrou estratégica para o desenvolvimento do trabalho multiprofissional, apesar de não se esgotar nela, uma vez que é, majoritariamente, em ato, no cotidiano do trabalho, que vão se criando e expandindo as possibilidades de relações entre as profissões. Apesar da experiência descrita estar centrada no serviço social, a equipe planejou que essa atividade de educação permanente fosse realizada posteriormente, discutindo todas as profissões, bem como abrangendo trabalhadores não residentes da clínica. Nesse sentido, a residência multiprofissional se apresentou como um potente processo formativo com vistas a formar trabalhadores qualificados no âmbito do Sistema Único de Saúde, capazes de atuarem para além de seus núcleos profissionais e em consonância com os princípios do mesmo: integralidade, universalidade e equidade.

10319 EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE- UM DISPOSITIVO PEDAGÓGICO DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL
Flávia Fasciotti Macedo Azevedo, Maria Paula Cerqueira Gomes, Leila Vianna dos Reis, José Carlos Lima de Campos, Carlos Eduardo Honorato

EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE- UM DISPOSITIVO PEDAGÓGICO DO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE MENTAL

Autores: Flávia Fasciotti Macedo Azevedo, Maria Paula Cerqueira Gomes, Leila Vianna dos Reis, José Carlos Lima de Campos, Carlos Eduardo Honorato

Apresentação: O campo da educação em saúde no Brasil, na primeira década desse século, sofreu importantes transformações. Incentivos na criação de cursos e propostas de formação surgem como forma de qualificar a formação de profissionais em saúde, aproximando a formação à real necessidade de saúde da população. Nesta direção surge em 2004 a política nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), representando um marco para a formação e trabalho em saúde no País. Esta política nasce como resultado de lutas e esforços promovidos pelos defensores do tema da educação dos profissionais de saúde, como forma de promover a transformação das práticas do trabalho em saúde. Este trabalho tem como objetivo apresentar o uso da educação permanente em saúde como um dispositivo pedagógico fundamental e orientador do programa de residência em saúde mental do IPUB/UFRJ e apresentar alguns de seus efeitos no processo de formação de profissionais. O tema da educação permanente no programa de residência multiprofissional do IPUB foi trabalhado em uma dissertação de mestrado (1) e uma pesquisa de pós doutorado (2). Desenvolvimento: O programa de residência multiprofissional em saúde mental do IPUB/UFRJ, foi criado em 2010 e, como muitos programas de residência no país, surge a partir do incentivo da parceria entre os ministérios da saúde e educação. (IPUB, 2013). Tem como objetivo desenvolver um curso de pós graduação nos moldes de residência multiprofissional e interdisciplinar em saúde mental, com base nas definições e determinações da Reforma Psiquiátrica e na antiga Políticas Nacional de Saúde Mental, implantada até 2018. Com duração de dois anos o curso se destina a psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, sob forma de especialização caracterizada por treinamento em serviço, em regime de dedicação exclusiva, sob orientação docente-assistencial, tendo como eixo o cuidado em saúde e a qualidade de vida. É em seu projeto político pedagógico que encontramos desde os marcos orientadores desse programa, suas inspirações filosóficas, bem como o desenho do curso, o modo como ele se organiza. Neste ponto identificamos a educação permanente (EP) como um importante dispositivo pedagógico. Tomamos o conceito de dispositivo pedagógico a partir das contribuições de Foucault. Para este Foucalt, o conceito de dispositivo foi definido incialmente como um dos operadores materiais do poder entendido como: técnicas disciplinares estratégias minuciosas e formas de assujeitamento e docilização dos corpos utilizadas pelo poder coercitivo, que opera na forma de dominação. Deleuze retoma o conceito de Foucault e dá destaque para a dimensão produtiva do poder, que não é somente da ordem da coerção e da opressão, mas da ordem daquilo que subverte, dobra, resiste. Trata-se de um conceito operatório multilinear composto por linhas de natureza diferente e alicerçado em três grandes eixos, que combinam campos de saber, relações de poder e modos de subjetivação. Para Deleuze (1999) todos estão imersos em dispositivos e eles nos atravessam o tempo todo, fazendo-se necessário instalar-se sobre as próprias linhas, separá-las desenhando um mapa, cartografando terras desconhecidas e, ao mesmo tempo, construindo novas linhas, criando novas possibilidades e realidades. Resultado: Neste programa de residência multiprofissional a educação permanente se constitui como um espaço semanal onde todos os alunos, tutores e demais atores do programa se encontram para discutir os impasses e questões apresentadas pelo cotidiano do trabalho. O mundo do trabalho é o foco deste encontro, onde a palavra circula e são trabalhados os vários aspectos do problema, processando-o e, assim, produzindo deslocamentos nos impasses, e, em algumas vezes inventadas soluções. Nesse espaço, de forma recorrente tiram-se posicionamentos coletivos e formas de intervenção na realidade. Este espaço coletivo tem se mostrado potente e inovador, mas apresenta-se como um desafio constante se manter um espaço democrático, horizontal cujo objetivo geral é manter a discussão visando a transformação dos impasses iniciais apresentados em propostas de ação e de transformação do cenário e da realidade vivida. Assim, promover um deslocamento da queixa inicial para uma atitude mais propositiva, implicando os atores e os seus fazeres cotidianos em uma mudança de posição ativa, como construtores e transformadores da realidade e no mundo no qual estão inseridos. Essa perspectiva é central no programa do curso: a identificação do problema, o processo de análise, a tomada de responsabilidade e a implicação no processo de transformação do problema e da realidade em si. Esse mecanismo é o centro do processo formativo desta proposta pedagógica. Alguns temas surgem com regularidade a cada ano. O tema da multiprofissionalidade com questões referentes ao que é o que é nuclear e o que é comum às diferentes categorias profissionais no cuidado em saúde. Os atravessamentos instituicionais no cuidado ao usuário com transtornos mentais é outro tema frequente e que promove discussões calorosas na tentativa de encontramos uma posição possível e produtiva. A formação dos alunos implicados e imersos no contexto institucional, caracteriza um processo de intervenção em que em seu fazer-saber promove um processo de transformação da realidade em ato. Considerações finais: O espaço de educação permanente se apresenta como lugar depositário dos impasses do trabalho, construção coletiva de saídas para os tema vivenciados no cotidiano, bem como de alinhavo pedagógico ao atribuir conceitos e identificar posições. Neste espaço, o conceito de transversalidade elaborado por Guatarri se torna pertinente, pois faz operar o plano em que a realidade, nas suas inúmeras dimensões, se comunica. Neste processo é possível identificarmos uma relação entre formação e intervenção na realidade. A realização desse processo mútuo de formação e de intervenção não é algo que ocorra de modo automático e nem direto. Requer um planejamento, um percurso formativo a seguir que é sustentado pela direção dada pelo curso na formulação do seu PPP, norteador de práticas, definidor de métodos e que aponta caminhos a serem trilhados, orientados pelo SUS e pelos princípios da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial. Neste contexto, um conjunto de ações são mobilizadas com foco na formação de uma nova geração de profissionais, por meio de um processo educacional inovador e transformador. Assim busca-se a excelência técnica e científica, contextualizada pela abordagem ética, singular e integral de cada pessoa com a defesa da vida e o direito à saúde. (1) Azevedo, 2013; (2) Gomes, 2016

10994 O CONSULTÓRIO DE RUA COMO PONTO DE VIVÊNCIA NO SUS: REFLEXÕES SOBRE A RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL ENQUANTO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE
Priscilla Victória Rodrigues Fraga, Wakyla Cristina Amaro Corrêa

O CONSULTÓRIO DE RUA COMO PONTO DE VIVÊNCIA NO SUS: REFLEXÕES SOBRE A RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL ENQUANTO ESTRATÉGIA DE EDUCAÇÃO PERMANENTE

Autores: Priscilla Victória Rodrigues Fraga, Wakyla Cristina Amaro Corrêa

Apresentação: A Residência Multiprofissional em Saúde se constitui na modalidade de ensino pós-graduação lato sensu, tendo sua característica o ensino em serviço. A residência multiprofissional em Saúde da Família/Atenção Básica do Hospital Odilon Behrens (HOB), possui a dinâmica de Rede em Saúde, onde o residente desse programa circula por diversos serviços de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte, o que faz elucidar sobre o fluxo da REDE SUS/BH. As residências em saúde se situam como uma inovação da formação dos trabalhadores, compondo uma estratégia de educação permanente e acontecendo a partir dos problemas enfrentados na realidade. Neste sentido, o presente trabalho tem como foco relatar as reflexões acerca da relação ensino-aprendizagem estabelecida sob a ótica da residente e da preceptora do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família/Atenção Básica do HOB no Consultório de Rua (CdeR) como campo secundário de atuação da residente, entendendo a residência como espaço privilegiado de formação em saúde, de fortalecimento do SUS e da categoria profissional. Desenvolvimento: O CdeR é um dispositivo da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Belo Horizonte que atende a população em situação de rua do município, com atuação nas cenas públicas de uso de álcool e outras drogas na cidade na perspectiva da redução de danos. A equipe é composta por 1 enfermeira, 1 psicóloga, 2 assistentes sociais, 1 arte-educadora e 1 redutora de danos. Cabe explanar que todas participantes envolvidas neste estudo identificam-se como do gênero feminino. Desse modo, optou-se por utilizar o artigo “A”, no feminino, sempre que se refere a alguma das participantes da pesquisa ou sua coletividade. O CdeR desenvolve ações de forma intersetorial com as políticas públicas, estabelecendo vínculo e acompanhamento dos sujeitos que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas nas cenas públicas ou privadas (casas de uso) no território, reconhecendo a Redução de Danos como uma ética norteadora do cuidado, e a partir daí constrói junto aos sujeitos articulações e estratégias que façam sentido em suas vidas. A inserção da residente assistente social no CdeR, revela-se como importante ponto de  imersão do Sistema Único de Saúde (SUS) devido sua atuação junto a uma população historicamente negligenciada pelas políticas públicas. A vivência durou um período de 2 meses onde a residente atuava semanalmente junto a equipe multiprofissional. Torna-se importante ressaltar que a inserção do residente neste campo nem sempre se dá de forma tranquila, considerando as particularidades da atuação nestas cenas onde muitas vezes se apresentam de forma devastadora e/ou sob o domínio do tráfico. O CdeR se apresenta nestes territórios como oferta de escuta, cuidado, acolhimento, redução de danos e se propondo a ser ponte destes sujeitos até os demais serviços. Desta forma é fundamental que o preceptor esteja próximo e atento, buscando dar informações práticas e leituras da dinâmica territorial ao residente de forma que subsidie sua atuação. Durante a preceptoria é notório a dinâmica do serviço, desde os acompanhamentos dos usuários no território, nas cenas de uso e a articulação com outros serviços da REDE SUS/BH. Enquanto residente, estar presente em localidades que em sua maioria são marginalizados, com sujeitos invisibilizados, diante de uma lógica de exclusão dessas pessoas é estar em contato direto com as diversas expressões da questão social (objeto de intervenção do Assistente Social). Durante esses meses foi possível verificar a afirmação da luta pelos direitos sociais, reafirmando esses sujeitos como seres de direitos. Como preceptora do programa de residência multiprofissional, percebo grandes potencialidades no modelo de formação, principalmente no sentido de envolver e capturar os profissionais residentes na construção de um compromisso ético-político com o SUS. Atuar no CdeR traz uma experiência extremamente importante para formação profissional, principalmente no fortalecimento da magnitude do trabalho multiprofissional que por meio da troca entre os diversos saberes profissionais potencializa as possibilidades de construções do cuidado. Outro ponto relevante foi a troca preceptor versus residente, a abertura para o diálogo e a acolhida das sugestões de intervenção facilitam no processo de aprendizagem durante essa vivência, possibilitando um ambiente confortável para a profissional assistente social residente realizar intervenções. Resultados: A vivência da preceptoria/residência se revela como importante espaço para o processo formativo e de atuação profissional enquanto formação em serviço no SUS e para o SUS, bem como possibilita aprendizado e reflexões ao preceptor. A partir do momento que proporciona a vivência prática de atuação ao residente, traz também para o cenário de prática o olhar de fora, olhar este que muitas vezes é o que enxerga as incoerências e ou inconsistências estabelecidas no processo de trabalho e que muitas vezes já não é identificado pelo preceptor que se “acostumou” com aquele processo. Estar no CdeR trouxe para a residente uma abertura de intervenção importante. Enxergar e entender o fluxo da REDE SUS/BH, a partir dessa inserção está sendo importantíssimo para minha atuação na atenção básica. A vivência me trouxe algo muito concreto, no campo do real, fez entender a lógica da Educação Permanente em Saúde, onde a prática do dia a dia de profissionais está vinculado a uma transformação e qualificação das práticas de saúde. Atuar com a população em situação de rua, é entender as diversas ações vinculadas a sua sobrevivência nesse lugar árduo que é a rua, é perceber suas necessidades, é ter um compromisso ético e político com o SUS e é fazer uma abordagem a partir da redução de danos. Estar com os usuários em seus territórios dialogando e acolhendo suas demandas é promover saúde e cuidado. As acolhidas trouxeram a chance de percepção acerca do perfil dos usuários atendidos pelo serviço. É evidente o recorte de raça presente nos sujeitos acompanhados pelo CdeR, onde majoritariamente são pessoas negras e pobres, trazendo um reflexo do racismo estrutural presente nessa sociedade capitalista. Considerações finais: Para a preceptora, participar ativamente do processo formativo de seu colega de categoria profissional se revela como uma oportunidade ímpar de contribuir didaticamente na formação continuada de seus pares. Para a residente fica exposto o entusiasmo em poder conhecer a RAPS de Belo Horizonte, o CdeR e a política de redução de danos. Correlacionar prática e ensino possibilita abertura de novos horizontes em relação a intervenção profissional. Reconhecer esses sujeitos como seres de direitos é um compromisso ético-político profissional, pois é dever, enquanto assistente social estar na luta intransigente pela defesa dos direitos sociais. O crescente aumento da população em situação de rua, devido a perversidade do sistema capitalista, afirma a necessidade da existência e garantia do funcionamento de serviços de saúde sob uma ótica humanizada e alinhada com os princípios do SUS. Estar no CdeR exige observação, escuta, disponibilidade para o outro e se revela como um importante momento de vivenciar o SUS atuando com uma população que segue muitas vezes desassistida na cidade. Estar presente neste ponto da rede de saúde possibilita vivenciar a concretização do SUS como universal, integral e equânime, apesar das dificuldades postas no cotidiano, evidenciando a promoção de saúde. Finalizamos afirmando que o CdeR se revela como importante campo secundário que possibilita uma leitura ampliada da rede de saúde no município, bem como uma possibilidade de sensibilização dos profissionais residentes por meio da aproximação com essa realidade invisibilizada na cidade.