293: Os saberes populares na formação em saúde: desafios da Educação Popular
Ativador: Keytiane Cristina da Silva Neto
Data: 30/10/2020    Local: Sala 15 - Távolas de trabalhos    Horário: 13:30 - 15:30
ID Título do Trabalho/Autores
10270 INTERPROFISSIONALIDADE E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA PARA A EQUIDADE DE VOZES NOS AMBIENTES DE CUIDADO EM SAÚDE
Felipe Garcia Camargo, Ana Augusta Penteado de Oliveira, Maicolau Cibils Ferreira, Suzana Castanho Di Creddo, Ricardo Roberto Matter

INTERPROFISSIONALIDADE E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA PARA A EQUIDADE DE VOZES NOS AMBIENTES DE CUIDADO EM SAÚDE

Autores: Felipe Garcia Camargo, Ana Augusta Penteado de Oliveira, Maicolau Cibils Ferreira, Suzana Castanho Di Creddo, Ricardo Roberto Matter

Apresentação: Diversos obstáculos do cotidiano de trabalho em saúde, dentro do modelo biomédico, dão gênese a estratificações entre os trabalhadores da área de saúde, de modo que certas profissões tornam-se subjugadas dentro dessa lógica profissional fragmentária. Com o intuito de identificar as barreiras e desafios, existentes à implementação da interprofissionalidade enquanto prática institucional nos ambientes de cuidado em saúde, este trabalho relata a experiência do projeto Pet-Saúde Interprofissionalidade, Ministério da Saúde, em sua inserção inicial com os Agentes Comunitários de Saúde(ACSs), dentro de uma Unidade de Saúde da Família no município de  Foz do Iguaçu-PR. Utilizando os conceitos indissociáveis de “sociabilidade” e “subjetividade” como dimensões presentes nas relações interpessoais, buscou-se no processo diagnóstico com os ACSs em três encontros em campo, a partir de rodas de conversa, a expansão de conceitos que se mostraram chaves para compreender o universo institucional e profissional desses sujeitos e como esses significam e compreendem tais elementos e a sua própria realidade. Entre esses conceitos que foram trabalhados estão: saúde ambiental, território, promoção da saúde, cuidado, vínculo, violência, saúde mental, hierarquia, entre outros. A partir de levantamento bibliográfico, foi possível apreender elementos históricos constitutivos da sociedade e das políticas de saúde e dos modos de organização dos ambientes de cuidado em saúde, o que nos apontou quatro principais barreiras existentes que sustentam e dificultam a prática interprofissional nesses espaços, são esses: 1. hierarquia profissional; 2. conceito limitado de saúde (dualidade saúde-doença); 3. paradigma cartesiano/positivista da relação de pesquisa sujeito-objeto; e  4. linguagem tecnicista/academicista. Todos decorrentes do modelo biomédico, que em suas reproduções e naturalizações funcionam como meio de exclusão e segregação de outros conhecimentos existentes nos espaços. Já em campo, a partir das rodas de conversa com os ACSs, foi possível  compreender caminhos que se caracterizam desafios para superar as 4 barreiras mencionadas anteriormente. Elencamos quatro eixos direcionadores, respectivamente, em resposta às barreiras, são esses: 1. problematizar práticas naturalizadas e normativas do campo de trabalho (que são elementos estruturados e estruturantes dos modos de organização do serviço); 2. ampliar as noções de saúde ambiental, território, cuidado, promoção da saúde e outros referenciais de saúde existentes, de modo a expandir a dicotomia saúde-doença; 3. enquanto Projeto do Pet-Saúde construir uma relação de pesquisa sujeito-sujeito ‘tecendo a várias mãos’ os espaços de trocas horizontais com os ACSs, outros profissionais e usuários onde haja possibilidade de exercitar a produção coletiva do conhecimento. e 4. valorizar e legitimar os conhecimentos populares existentes nos ambientes de cuidado em saúde, promovendo a diversidade de vozes e linguagens existentes, para trazer outras formas de vínculos e sociabilidades no horizonte da promoção da saúde. É dizer, a superação do modelo biomédico se dará com a efetiva ampliação de práticas na perspectiva biopsicossocial. Na experiência com os ACSs, nesse primeiro momento do projeto, foi possível entrar em contato com um complexo de percepções que dão sustentação cotidiana às normativas, às naturalizações de modos de organização do trabalho, hábitos e dinâmicas nas práticas profissionais do ambiente de cuidado em saúde. Por outro lado se pôde enxergar que esses mesmos elementos  estruturais são os que produzem as invisibilidades temáticas e discursivas, silenciamentos e fragmentações que não permitem outras práticas de organização e cuidado em saúde. A não validação das vozes e do conhecimento desses sujeitos na interação com outras profissões não permite avanços coletivos dentro das dinâmicas da política de saúde. Eles relatam que havia um espaço de reunião com a equipe uma vez por semana, mas este espaço, pela reorganização de horários foi perdido, deixando-os sem nenhum momento de interação entre a própria categoria e com as outras equipes profissionais. O que percebemos é que nas ações das equipes de Saúde da Família que acompanhamos não há atividade reflexiva, na perspectiva de rodas de conversa horizontais, para permitir a articulação das diferentes subjetividades ali presentes. A subjetividade é um elemento central para compreender o conteúdo das rodas de conversa que trouxeram temáticas como desvalorização e desmotivação no ambiente de trabalho, a percepção da hierarquia como elemento estático e limitante quando se pensa em propor resoluções que não estejam pactuadas anteriormente, a fragmentação, descaracterização dos critérios de cuidados das políticas em saúde, a falta de insumos e materiais de trabalho, entre outros temas provenientes da estrutura institucional. No campo das temáticas territoriais que apareceram estão os diferentes hábitos culturais dos usuários perante à saúde, higiene, cuidado com a casa, a família, a violência, o uso de drogas, o tráfico, a pobreza, entre outros. Buscou-se por meio deste estudo compreender os entraves originadores e perpetradores de desigualdades entre as diferentes classes profissionais no ambiente de saúde. Nessa experiência foi possível aprender, apreender e refletir coletivamente sobre o espaço multidimensional de relações e sentidos que coexistem nesse espaço e identificar elementos, presentes e ausentes, relacionados às dificuldades e potencialidades dos sujeitos e das práticas de cuidado em saúde naquele território. A experiência das rodas de conversa com os ACSs, num ambiente de proposição horizontal e de escuta nos proporcionou participar enquanto ouvintes e aprendizes de um espaço potente de aprendizado coletivo, com trocas de conhecimentos sobre as temáticas da saúde. Diversas compreensões subjetivas ali presentes puderam ser relatadas, discutidas e ampliadas que, segundo os profissionais, não aparecem ou não encontram espaço no cotidiano profissional. O questionamento que nos fizemos é: porque não há possibilidade dessas questões aparecerem, serem debatidas, problematizadas e encaminhadas interprofissionalmente, quando há uma articulação entre toda a equipe. A resposta vem dos próprios ACSs que já na segunda e terceira roda de conversa, com algum processo de vínculo estabelecido, nos relatam sobre a desvalorização de sua profissão perante as outras categorias e as limitações da estrutura institucional. Para nós, a dificuldade de se construir um espaço de diálogo horizontal, aberto e realmente democrático ao exercício de valorização das diferentes vozes, suas cargas históricas, emocionais e afetivas, presentes nas subjetividades das categorias profissionais e usuários, é um diagnóstico para compreender a limitação e/ou a inexistência de sociabilidades equitativas, empáticas  e transformadoras. Ao lidar com as problemáticas reais, as que não são ditas ou não são escutadas, vai ficando claro os elementos espaciais, as barreiras, que impossibilitam o exercício propositivo da interprofissionalidade. Esses são elementos chaves para se pensar outros modelos e propostas para o desafio coletivo da inserção de práticas interprofissionais nos ambientes de cuidado em saúde. As reflexões e problematizações do grupo interprofissional do Pet-Saúde, a partir das rodas de conversa com os ACS, nos permitiu compreender que a potência de transformação dos ambientes de cuidado em saúde está na construção de espaços a partir da metodologia de participação popular. “Des-invisibilizar” as diferentes vozes profissionais existentes e então “des-naturalizar” o que habitualmente está fortalecido pela carga normativa, institucional e hierárquica estabelecida historicamente, é caminho para os sujeitos políticos presentes nos ambientes de cuidado em saúde retomarem a afetação, a construção de pertencimento coletivo e a concepção de novos lugares  que caibam práticas mais inclusivas e diversas, como o que sugere os preceitos da interprofissionalidade.

10364 DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE E ATENÇÃO BÁSICA PARA O CONTROLE DE ENDEMIAS EM SANTOS
FABIANA LOYDE WAKAI JORGE PINHO, KARINA FRANCO ZIHLMANN

DESAFIOS DA INTEGRAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE E ATENÇÃO BÁSICA PARA O CONTROLE DE ENDEMIAS EM SANTOS

Autores: FABIANA LOYDE WAKAI JORGE PINHO, KARINA FRANCO ZIHLMANN

Apresentação: O município de Santos enfrenta atualmente o desafio de enfrentamento de endemias (como a dengue, a febre amarela, a doença Chikungunya e a doença aguda pelo vírus Zika) especialmente em regiões de grande vulnerabilidade social como a região Noroeste, onde se encontram muitas moradias precárias do tipo palafitas. Surgem algumas propostas de intervenção e, uma das mais significativas, tem sido a proposta de integração das ações de Vigilância em Saúde e Atenção Básica, articulando ações efetivas do Agente de Combate às Endemias (ACE) e o Agente Comunitário de Saúde (ACS). Esta proposta de integração parte do pressuposto de que esses profissionais atuam diretamente em contato com os cidadãos atingidos pelas endemias e atuam nos territórios onde as endemias costumam se expressar de forma contundente, e além disso, acredita-se que esses agentes tenham conhecimento aprofundado sobre a realidade da população envolvida nessa questão. Embora tal proposta possa ser tomada como um evidente avanço, na prática se observam desafios e desencontros que exigem uma construção de estratégias que facilitem o processo de integração entre os atores envolvidos na rede de Atenção Básica em Saúde. Para tanto, há que se identificar, a partir dos saberes dos agentes envolvidos, quais os desafios, as dificuldades e as potencialidades dessas propostas, levando em consideração seus pontos de vista singular. Objetivo: Investigar a possibilidade de implementação da integração dos Agente de Combate às Endemias (ACE) vinculados ao trabalho de Vigilância em Saúde da cidade de Santos (SP), às equipes da Estratégia de Saúde da Família, articulando, portanto com o trabalho do Agente Comunitário de Saúde (ACS). A proposta da pesquisa será identificar dificuldades e potencialidades no processo de trabalho em conjunto em territórios onde se apresenta significativa vulnerabilidade social e risco de endemias, construindo estratégias de ação embasadas nas experiências dos próprios atores envolvidos nesse contexto, em uma troca dialógica e que privilegia o protagonismo dos participantes. Desenvolvimento: será realizada uma pesquisa qualitativa com articulação de várias estratégias, privilegiando a proposta da estratégia da pesquisa- intervenção, realização de oficinas de reflexão e entrevistas individuais. O projeto será realizado em duas unidades da região da Zona Noroeste deSantos (SP), que abrange uma região de moradias precárias tipo palafitas, com características socioambientais que propiciam prevalência de endemias. Serão desenvolvidas oficinas de reflexão e construção de propostas envolvendo os ACE e ACS que atuam em equipamentos de saúde região Noroeste de Santos. As oficinas serão constituídas de forma a levar em conta os saberes e as experiências cotidianas dos ACE e ACS, enquanto protagonistas do processo, sendo estruturadas por uma série de três encontros no próprio serviço de saúde, de modo a permitir entrosamento, reflexão, discussões e construção de material visual/educativo que contemple as necessidades de cada grupo. As propostas e materiais construídos em cada oficina serão apresentadas em um encontro geral, que tratará dos diferentes pontos de vista e levantará ações necessárias para a continuidade do trabalho, de modo a apontar consonâncias e dissonâncias e, além disso, evidenciar necessidades de intervenção e implicação individual e grupal. Além das oficinas, serão convidados para participar de entrevistas individuais participantes que se destacaram como informantes-chave para o aprofundamento de aspectos ou dúvidas que se apresentarem durante as realizações das oficinas. Todas as atividades serão gravadas com autorização explícita de todos os participantes e os discursos serão categorizados pela técnica de Análise de Conteúdo temática, sendo trabalhados no âmbito da pesquisa de mestrado. Aspectos éticos: osparticipantes assinarão um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) conforme a Resolução 422/12 do CNS. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovadopela Secretaria de Saúde de Santos e pelo Comitê de Ética da UNIFESP. Os resultadosdas discussões e as propostas construídas serão compartilhadas com a gestão da área da SMS-Santos, bem como a dissertação de mestrado profissional construída a partir dessa pesquisa, tomando o cuidado para preservar o sigilo dos dados dos participantes. Resultados esperados: a necessária discussão sobre a proposta da integração pode levar à implantação desse tipo de ação no contexto onde se avalia que há uma demanda de integração de políticas públicas. Há uma expectativa de que esta experiência de pesquisa-intervenção traga impactos nas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, colaborando para o controle de endemias no município de Santos, especialmente nas regiões mais afetadas por endemias. Além disso, o formato proposto por esta pesquisa também poderá contribuir para a construção de um protagonismo dos ACE e dos ACS, como agentes potentes e detentores de um saber que permite ir além das práticas cotidianas e levar ao processo de implicação criativa que transforma as práticas cotidianas. Para tanto, a própria estrutura da pesquisa traz em seu bojo a inovação a partir de estratégias fora dos padrões, confiando nos saberes e capacidades a priori dos envolvidos, considerando seus pontos de vista e os implicando em seus fazeres. Considerações finais: Espera-se que, além da construção de uma integração efetiva das ações de cuidado – que levam em consideração as propostas de integralidade do Sistema Único de Saúde, haverá a potencialização das ações e resultados, pois este projeto poderá viabilizar a proposta de criação de modos de operação homogêneos e funcionais para os ACE e ACS nessa região de grande vulnerabilidade socioeconômica. Além disso, a pesquisa poderá trazer luz para agentes do cuidado em saúde, seus olhares, seus saberes e seus desejos, para além do ponto de vista técnico, vislumbrando a construção de um projeto ético implicado com a realidade do contexto do cuidado em saúde.

5859 DESAFIOS ATUAIS DA EDUCAÇÃO POPULAR NA FORMAÇÃO EM SAÚDE: COMO PENSAR A VALORIZAÇÃO DOS SABERES POPULARES EM TEMPOS DE CRÍTICA OBSCURANTISTA À CIÊNCIA?
Ana Paula Massadar Morel

DESAFIOS ATUAIS DA EDUCAÇÃO POPULAR NA FORMAÇÃO EM SAÚDE: COMO PENSAR A VALORIZAÇÃO DOS SABERES POPULARES EM TEMPOS DE CRÍTICA OBSCURANTISTA À CIÊNCIA?

Autores: Ana Paula Massadar Morel

Apresentação: A Educação Popular em Saúde (EPS) se constitui com base em princípios como: diálogo, emancipação, respeito aos saberes populares e indígenas, compromisso com projeto de transformação social. A EPS contrapõe-se, então, à educação bancária, que parte do modelo biomédico, curativo e prescritivo, e consequentemente, contrapõe-se também ao paradigma do cientificismo ancorado na suposta neutralidade e universalidade da ciência. Tal paradigma partiria da exclusão de outras racionalidades médicas e saberes, enquanto a EPS tem como ponto de partida do processo pedagógico o saber anterior das classes populares. Mais do que um método ou uma atribuição do trabalho em saúde, a EPS se constitui como uma visão de mundo voltada para a transformação do setor saúde e da sociedade. Considerando que a EPS está ancorada em questões concretas do contexto social, buscamos trazer reflexões a partir do crescimento atual do conservadorismo que tem como uma de suas bases a crítica obscurantista da ciência. Tal proposta foi elaborada a partir de experiência como docente na Universidade Federal Fluminense (UFF) em cursos de graduação na área da saúde em disciplinas na área de Educação em Saúde. Ao trabalhar ao longo dos cursos os princípios da EPS, principalmente, no que tange à valorização dos saberes populares e a crítica ao paradigma biomédico, nos deparamos com os seguintes questionamentos dos educandos futuros profissionais de saúde: como questionar o cientificismo nesse momento de crítica obscurantista e conservadora à ciência? Como valorizar os saberes populares em tempos de fake news e movimento antivacina? Tais questões nos fizeram refletir sobre como o movimento da EPS precisa se deparar com as reflexões trazidas atualmente. Mais do que responder definitivamente a estas questões (pois este seria um trabalho muito amplo e coletivo), buscaremos apontar caminhos e possibilidades. Desenvolvimento Nosso trabalho é desenvolvido a partir de diálogo com a bibliografia sobre Educação Popular em Saúde, como Paulo Freire, Victor Valla, Eduardo Stotz, e da sistematização de experiência da docência na área de Educação em Saúde. As aulas abordaram questões como a dimensão educativa e o compromisso político do profissional de saúde, as concepções de educação em saúde e sociedade, e tiveram como desfecho a elaboração de projetos educativos em saúde. Buscamos uma interpretação crítica das questões trazidas por essa experiência, dialogando com reflexões trazidas pelo movimento da educação popular. Temos como foco o problema da valorização dos saberes populares e a crítica ao cientificismo propostas pela EPS, que ganha novo sentido neste momento de crescimento do obscurantismo. Por fim, esperamos trazer contribuições para pensar sobre tal pergunta: como pensar a prática da educação popular como um caminho de resistência e uma perspectiva que encontra agora novos desafios? Resultado: Ao longo dos cursos ministrados na graduação, chegamos à conclusão ser tarefa importante identificar a crítica obscurantista à ciência, que muitos estudantes escutam reproduzidas nas falas de seus familiares e vizinhos, com os mecanismos de reprodução de uma ordem neoliberal que tem como pilares o fundamentalismo religioso e o militarismo.  O terraplanismo, o movimento antivacina, o negacionismo climático, para citar os três maiores expoentes do atual movimento obscurantista, produzem um tipo de confusão que favorece as forças conservadoras hoje em ascensão e esvaziam qualquer diálogo e debate político. Vivemos em um mundo da autoverdade, onde há a valorização de uma verdade pessoal e autoproclamada, uma verdade do indivíduo, que não se relaciona com fatos concretos, mas com uma performance vinculada a uma luta do bem contra o mal de fundo fundamentalista. A autoverdade associada ao obscurantismo esconde seu machismo, homofobia, racismo e elitismo, por trás da dramaturgia aparentemente rebelde proferida pela extrema-direita. O exercício de compreender e identificar esses discursos acabou se tornando parte importante dos cursos, nos permitindo atualizar coletivamente as questões trazidas pelos referenciais teóricos de educação e saúde com que estávamos trabalhando e trazendo novas provocações para o trabalho em saúde. Outro ponto importante diante da relutância dos estudantes com a crítica ao paradigma do cientificismo foi propor uma diferenciação entre a crítica obscurantista da ciência e crítica da EPS ao cientificismo. Enquanto a primeira critica a ciência a partir do relativismo individualista da autoverdade, se proclamando apolítica e anti-ideológica, causando confusão em prol dos ideais da extrema direita, a segunda, critica a ciência pelo seu viés biologicista e universalizante, visando explicitar os mecanismos de poder e exploração presentes na sociedade, a partir do diálogo com diferentes realidades e saberes populares. Enquanto a primeira nega a ciência para reforçar os ideais conservadores da família heteronormativa, que tem como referência o homem branco rico, a segunda critica o cientificismo em prol da diversidade e protagonismo dos oprimidos (mulheres, gays, negros, índios, pobres). Nesse ponto, parece interessante sublinhar que um desafio da EPS atualmente é não ter simplesmente uma postura reativa de defender uma volta ao cientificismo e autoritarismo presentes no modelo biomédico. Não podemos simplesmente retornar a ideia de que o problema é só a “falta de informação” da população nos serviços de saúde. É preciso considerar que o crescimento das forças obscurantistas, tem suas raízes também no fosso existente entre a população e os serviços de saúde, entre a população e os movimentos sociais. A revolta da vacina, por exemplo, ocorrida em 1904, anterior ao movimento obscurantista atual, não pode ser vista como simples ignorância das classes populares, mas mostra as consequências nefastas do autoritarismo e distanciamento da ciência da população. Há algo do conhecimento da população que deve fazer parte do trabalho em saúde e vice-versa. Esse “algo” pode ser inclusive conhecer e problematizar como são produzidos os discursos conservadores atuais e criar estratégias para dialogar com eles e transformá-los. Por isso, retomar o diálogo, dar sentido ao debate político, desfazer confusões, nomeando concretamente os movimentos e palavras nos parecem desafios fundamentais. Nesse sentido, cabe destacar que a elaboração de projetos educativos em saúde desenvolvidos em grupos pelos educandos focaram justamente no diálogo com a população sobre temas polêmicos mencionados ou então se debruçaram sobre formas de popularização do conhecimento científico. Alguns grupos propuseram trabalhos educativos sobre a importância das vacinas junto à população, organizando rodas de conversa; outros trabalhos buscaram levar o tema da educação sexual às escolas; outros elaboraram revistas de divulgação científica e materiais educativos sobre os mais diversos temas com linguagem acessível à população. A iniciativa dos estudantes de propor esses projetos nos parece ter como intencionalidade importante a ênfase no diálogo e no trabalho com a população, em caminho contrário a “autoverdade”, sem, com isso, abandonar temas tidos como polêmicos pelos movimentos conservadores. Os projetos apontam, assim, caminhos interessantes para pensarmos a EPS como um caminho de resistência ao obscurantismo hoje. Considerações finais Como considerações finais gostaríamos de destacar dois pontos que nos parecem importantes a serem desenvolvidos no campo da EPS. O primeiro é uma melhor qualificação do que seriam os “saberes populares” atualmente. Seria preciso diferenciar e perceber as coexistências e tensões entre as práticas populares anti-hegemônicas, como benzedeiras, curandeiros, xamãs, dos discursos obscurantistas de cunho fundamentalista. O segundo é enfatizar de que mais do que uma retomada do positivismo, necessitamos tornar a ciência popular. É preciso construir uma ciência que esteja à serviço das classes populares e que não se imponha de maneira autoritária e distanciada, mas dialogue com a multiplicidade e favoreça o protagonismo dos oprimidos.

6162 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL (EAN) E FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR (AF) NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PARACAMBI (RJ)
Bruno Ribeiro da Mota

EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL (EAN) E FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR (AF) NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PARACAMBI (RJ)

Autores: Bruno Ribeiro da Mota

Apresentação: O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) oferece alimentação escolar e ações de educação alimentar e nutricional a estudantes de todas as etapas da educação básica pública e determina que pelo menos 30% do valor repassado a estados, municípios e Distrito Federal pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) deve ser utilizado na compra de gêneros alimentícios diretamente da AF. A Secretaria Municipal de Educação e Esportes (SMEE) de Paracambi (RJ) por muitos anos vem conseguindo atingir esta meta, mantendo uma relação muito boa com estas famílias de produtores rurais sendo referência em seu Estado federativo. A escola é propícia à aplicação de programas de educação em saúde em larga escala, incluindo programas de educação nutricional. Estes devem consistir em processos ativos, lúdicos e interativos, que favoreçam mudanças de atitudes e das práticas alimentares dos escolares e seus responsáveis, dos professores e outros funcionários. Através do matriciamento do nutricionista responsável técnico pela alimentação escolar os professores das escolas da rede municipal de Paracambi (RJ), foram realizados trabalhos multidisciplinares que abrangiam o estímulo do consumo de alimentos saudáveis oriundos da agricultura familiar. Além das conquistas nutricionais nestes escolares, o consumo destes gêneros fortalece a rede social dos agricultores melhorando a economia através do aumento da produção destes alimentos. Este projeto visa o trabalho da equipe de nutrição sob o olhar da EAN com discentes e profissionais da rede municipal de educação de Paracambi, através do matriciamento e atividades intersetoriais de cunho longitudinal focadas no estímulo do consumo de alimentos oriundos da produção de famílias da zona rural da nossa cidade. Para estimular a economia local e melhorar a saúde dos estudantes envolvidos. Pude perceber que uma grande parcela de alunos não consomem a alimentação escolar oferecida nos refeitórios, e consequentemente um consumo exagerado de produtos ultraprocessados, tanto trazidos de casa pelos escolares, quanto adquiridos pela compra em estabelecimentos próximos as 20 escolas municipais, e os fornecidos nas cantinas presentes dentro destas unidades escolares. Estes alimentos são muito calóricos e pobres em nutrientes, além de conter uma alta quantidade de açucares simples, gordura trans, sódio e aditivos sintéticos. A ingestão destes lanches não saudáveis aumentam o risco de vários tipos de doenças crônicas (obesidade, hipertensão arterial, diabetes mellitus etc.), alergias, carie e etc. Por estes motivos, foram elaboradas algumas alternativas para a diminuição do consumo destes produtos e incentivos a ingestão dos alimentos in natura ou minimamente processados oriundos da AF. Por ser um trabalho de cunho longitudinal, ele tem como objetivo promover o consumo alimentar saudável através da educação nutricional através do fortalecimento da AF pelo público alvo; Incentivar os professores a estar apresentando o refeitório e as refeições servidas neste, como à alimentação prioritária para os estudantes dentro do ambiente escolar; Promover métodos de incentivo dos responsáveis pelos alunos a oferecer estes alimentos saudáveis nas refeições fora do ambiente escolar; Combater a aquisição de lanches não saudáveis dentro e nas proximidades das escolas, através da educação alimentar, utilizando ferramentas lúdicas; Tornar professores, diretores, merendeiras e demais funcionários da escola multiplicadores dos conhecimentos em torno da alimentação escolar saudável; Incentivar a participação social dos agricultores familiares em atividades escolares; O trabalho de educação permanente com os professores responsáveis está sendo realizado para mostrar a importância de trazer os alunos para dentro do refeitório e também levar os alimentos do refeitório para dentro da sala de aula como parte do plano de estudo dentro das disciplinas (interdisciplinaridade); Informamos aos responsáveis que a alimentação servida na escola é saudável, saborosa e supre as necessidades nutricionais dos alunos. Caso haja necessidade de envio de merenda de casa, elaboramos um informativo impresso, para montar uma lancheira com alimentos saudáveis; Estamos realizando matriciamento com os profissionais das escolas para serem realizado atividades lúdicas como teatro, fantoches, recreações, musicas (paródias), entre outras para estar promovendo a alimentação saudável e o combate do consumo de alimentos não saudáveis (biscoitos e refrescos industrializados, doces, refrigerantes etc.) dentro e aos arredores das escolas; Este processo de educação permanente com os educadores para que utilizem os refeitórios das escolas como um local formal de construção do processo educativo. Também está sendo estimulado atividades multidisciplinares dentro de sala de aula onde o tema nutrição saudável está atrelado ao cotidiano das disciplinas formais da ementa escolar. Este tipo de metodologia torna o processo educativo mais eficiente, além de dinamizar o cotidiano das práticas escolares. Enquanto as cantinas escolares, estamos buscando alternativa para que nossas escolas consigam produzir renda sem que haja necessidade de vender estes alimentos ultraprocessados, frituras e etc. Foram levantados hipóteses de organização de bazares de roupas doadas pela comunidades, alugueis do espaços escolares para eventos nos finais de semana, venda de lanches típicos em festas comemorativas, ou até mesmo a substituição desses alimentos não saudáveis por opções menos nocivas a saúde dos estudantes e etc. Mas infelizmente, há uma hegemonia cultural muito forte em pró as cantinas, poucas escolas baniram as suas, pois em sua grande maioria alegam necessitar do dinheiro gerado pelas mesmas. Através do teste de aceitabilidade escolar, a equipe de nutrição pode constatar que as escolas municipais que possuem cantinas em Paracambi, tem uma baixa adesão dos escolares a alimentação saudável fornecida nos refeitórios, onde são servidos os gêneros da AF. Também foi constatado que as escolas rurais e as que não possuem cantinas avaliaram a alimentação escolar com uma maior pontuação, fato que nos leva a levantar a hipótese que de alguma forma os lanches não saudáveis podem estar interferindo no paladar quando é ingerido alimentos in natura ou minimamente processado. Com olhar do matriciamento, na semana nacional de segurança alimentar e nutricional foram intensificado os trabalhos para a realização de atividades variadas com o tema alimentação saudável, onde os educadores e os alunos das unidades escolares foram os protagonistas na elaboração de atividades lúdicas, piqueniques ao ar livre, oficina culinária e etc. Também foi realizada pela SMEE uma feira literária municipal para as criancinhas denominada Flipapinhas, que além do incentivo à leitura com a presença várias editoras de renome e etc. O processo de mudança desses hábitos culturais deverá levar algum tempo, mas pude perceber que a alimentação escolar ainda é tida como pouco interessante pelos educadores, sendo necessário investir em estudos que promovam maior esclarecimento sobre este tema. Há também a necessidade de se entender qual a percepção de alimentação saudável por esses profissionais e como trabalham a EAN.