215: As imagens do trabalho em saúde dos profissionais: ciência, arte e cotidiano
Ativador: A definir
Data: 01/06/2018    Local: FCA 02 Sala 04 - Curimatã    Horário: 15:30 - 17:30
ID Título do Trabalho/Autores
1291 A arte de partejar na Amazônia: conhecimento e práticas populares de parteiras
Aline Mariana Silva Cândido, JOSE PAULO GUEDES SAINT CLAIR, Bianca Gomes Wanderley, Flávio Souza Melo, Fabiana Mânica Martins

A arte de partejar na Amazônia: conhecimento e práticas populares de parteiras

Autores: Aline Mariana Silva Cândido, JOSE PAULO GUEDES SAINT CLAIR, Bianca Gomes Wanderley, Flávio Souza Melo, Fabiana Mânica Martins

APRESENTAÇÃO: Por muito tempo, o partejamento foi considerado uma atividade exclusivamente feminina, tradicionalmente realizada pelas parteiras, que cuidavam da mãe e dos recém-nascidos. Apesar de ser uma atividade milenar, ela vem perdendo espaço, com a atual supervalorização médica. Porém é uma atividade de suma e essencial importância em muitos locais, logo o seu estudo é necessário e não deve ser banalizado. No Brasil, ocorrem cerca de um milhão e duzentos mil nascimentos por ano e deste número, cerca de 20%, o que representa duzentos e quarenta mil, nascem com ajuda de parteiras em partos domiciliares. Existe uma grande necessidade de investigação afim de conhecer e descrever quem são essas mulheres que partejam no Amazonas, bem como a relevância e reconhecimento de suas práticas no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, por meio das publicações que existem acerca do conhecimento tradicional sobre esse universo com vistas ao reconhecimento dos saberes e da promoção da qualidade da assistência obstétrica e neonatal. Sendo assim, o objetivo deste estudo é, primeiramente, analisar o banco de dados existente na Secretaria Estadual de Saúde (SUSAM) acerca das Parteiras do Amazonas levando em conta as Regiões de Saúde, características dessas mulheres, tanto com relação ao ato de partejar, quanto às características pessoais. Além disso, levantar uma produção acadêmica científica sobre as Parteiras Tradicionais na Amazônia. DESENVOLVIMENTO: A pesquisa é de cunho bibliográfico e epidemiológico a partir  de dados secundários sobre as parteiras. Esta pesquisa faz parte de um grande projeto intitulado “Redes Vivas e práticas populares de saúde: conhecimento tradicional das parteiras e a rede cegonha no Estado do Amazonas”, que está sendo desenvolvido em parceria com a SUSAM, Municípios das Regiões de Saúde e o Laboratório de História, Políticas Públicas e Saúde na Amazônia – LAHPSA/FIOCRUZ Amazonas. Possui aprovação do comitê de ética com número do Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos (CAAE) 62081516000000005. Desta forma, foi feito um levantamento bibliográfico sobre as parteiras na Amazônia, no Estado do Amazonas e em específico de Manaus; além de um levantamento mais geral das produções no Brasil. Em um segundo momento, fizemos uma busca ativa no banco de dados físico existente na SUSAM para conhecer quem são as mulheres parteiras do Amazonas e em específico de Manaus. Os dados foram tabulados em planilha Excel e um perfil foi traçado, sendo possível assim, reconhecê-las, identificá-las e torná-las conhecidas através de nossas produções acadêmicas.  A pesquisa engloba os municípios das Regiões de Saúde e os sujeitos da pesquisa foram prioritariamente as parteiras que estão representadas em todos os contextos, sendo as tradicionais, hospitalares ou “de posto”. Os critérios de inclusão são: auto-atribuição com parteira; reconhecimento pela comunidade; e estar cadastrada no banco da SUSAM. Os critérios de exclusão são: ser indígena; menores de 18 anos. RESULTADOS: Neste trabalho alcançamos uma amostra de 1245 parteiras, de 54 municípios amazonenses. Foram analisados diversos aspectos das parteiras, relacionados ou não ao partejamento. Em relação ao apelido, a minoria (43,37%) das parteiras são conhecidas por seus apelidos, o que poderia ser atribuído a uma possível mudança no seu local de atuação, ao serem cada vez mais inseridas no ambiente hospitalar. Sobre a zona de atuação, a maioria corresponde à zona rural (46,02%), o que está de acordo com a literatura, devido a maioria das parteiras estarem presentes nas comunidades onde moram. Quando estratificadas somente nas duas zonas principais, 67,71 % está na zona rural e 32,29% está na urbana. Quanto à distribuição geográfica das parteiras nas Regiões de Saúde do Amazonas, tivemos valores bastante heterogêneo, devido à grande dimensão do estado do Amazonas, foram analisadas as nove regiões, sendo as duas predominantes a Entorno de Manaus (18,80%), e  Baixo Amazonas (20,56%). Em relação à idade, a maioria das parteiras tem entre 40-60 anos (48,35%), dado que se correlaciona ao tempo de atuação, onde a maioria o faz há mais de 10 anos (49,48%). Sobre a escolaridade, predominam as parteiras alfabetizadas (37,99%), seguidas por analfabetas (28,27%), isto pode refletir as novas políticas educacionais, cada vez mais presentes nas cidades e comunidades do interior do Amazonas, mesmo com inúmeras dificuldades. Dentre as parteiras avaliadas quanto ao estado civil, a maioria é casada (51,33%); e quanto à moradia, a grande maioria é própria (94,86%). Sobre a renda que foi estratificada em número de salários mínimos recebidos, a maioria recebe menos que 1 (um) salário mínimo (44,50%), seguido por 1 (um) salário mínimo (40,88%). E em relação ao recebimento de benefício, a maioria (63,37%) informou não receber. Uma variável importante na presente pesquisa é se as parteiras estão frequentando os cursos de partejamento oferecidos, e foram encontrados os seguintes dados: 27,55% informaram que frequentaram cursos de parteira e assuntos correlatos e 72,45% não o fizeram. Este último dado é alarmante e demonstra a necessidade de oficinas de treinamento e capacitação das parteiras. Quando questionadas se exerciam as atividades de parteira atualmente, 77,91% informou que sim. Em relação à inserção no Sistema Único de Saúde (SUS), a maioria também é Enfeirmeiro/a da ESF (45,64%), seguido por ACS (38,63%). Dado importante, uma vez que estão exercendo ativamente papéis dentro do SUS, com destaque ao de ACS, o que representa que além da atividade de parteira, exercem outras ligadas à saúde da comunidade. Quanto à relação da sua atividade, a maioria é parteira tradicional em domicílio (81,29%), seguido por parteira hospitalar (17,27%) e parteira de posto (1,45%), o que demonstra que ainda é predominante o partejamento como antigamente, em que a parteira vai na casa da grávida e dá todo o suporte, mas que também evidencia a evolução dessa prática se adequando aos moldes mais modernos.  Por fim, quanto à profissão exercida, a maioria é trabalhadora rural (31,89%), seguido por apenas parteira (20,24%). CONCLUSÃO: A relevância de se avaliar o perfil sócio demográfico das parteiras tradicionais na Amazônia está no seu papel social e na importância dos serviços por elas prestados, que vão além da realização do parto. E mesmo que atualmente venha ocorrendo uma redução no número de partos atendidos por parteiras tradicionais, o trabalho das mesmas ainda permanece como um recurso fundamental, principalmente dentro do contexto das populações rurais. E esta é uma realidade ainda muito presente em municípios da região Norte, onde as taxas de partos assistidos por parteiras correspondem às maiores do país. Pelos resultados obtidos em nossa pesquisa conseguimos confirmar isto, pois, como pouca gente deve imaginar, são muito numerosas em todo estado do Amazonas. Entretanto, seu trabalho muitas vezes não é reconhecido pelas instâncias governamentais, resultando na ausência de remuneração e de curso de capacitação, dado bastante preocupante quando se concerne à saude materno-infantil. Outro ponto bastante interessante alcançado na pesquisa é de que a maioria das parteiras avaliadas atua tradicionalmente, porém muitas delas estão inseridas também no Sistema Único de Saúde, principalmente com ACS e ESF, o que nos mostra uma transição no ato de partejar, que vêm se ligando cada vez mais à saúde convencional hospitalar. Experiências como essas no ambiente acadêmico nos enriquece no sentido de termos uma visão mais ampla da saúde do Amazonas e do Brasil. Mostra como a promoção de saúde realmente acontece em alguns lugares, muitas vezes esquecidos pelo poder público, onde essas mulheres tem um papel imprescindível.

1580 A REPRESENTAÇÃO NA ARTE DA RELAÇÃO MÉDICO X PACIENTE
Sonia Monego, Marinilse Netto, Carlos Antonio Ciprandi

A REPRESENTAÇÃO NA ARTE DA RELAÇÃO MÉDICO X PACIENTE

Autores: Sonia Monego, Marinilse Netto, Carlos Antonio Ciprandi

Desde os tempos de Hipócrates a relação médico-paciente é considerada coisa importante, quase sagrada. O conhecimento de que a doença do corpo é um reflexo de um desequilíbrio emocional ou psicológico, vindo a se materializar em um determinado órgão, vem se moldando à própria ciência que já aceita a ideia de que, em um ambiente de instabilidade emocional a doença encontra solo fértil para seu desenvolvimento. Pode-se afirmar que o paciente deve também ser tratado em duas esferas, a emocional e a física. Em relação a este tratamento, encontramos ao longo da história da arte representações de retratos e auto retratos dos artistas em estado doentio com seus médicos. Partindo desta análise, pretendemos com este trabalho selecionar alguns artistas e fazer uma leitura de suas obras de arte, provocando a reflexão sobre a importância da relação médico-paciente. Entre os artistas selecionados apontamos: Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828), John Bellany (1942), Vincent Van Gogh (1853-1890),  Edvar Munch (1863-1944) e Frida Kahlo (1907-1954) que, como pacientes, representaram esta relação em suas telas. Quanto ao artista espanhol Francico Goya (1746-1828), favorito dos reis de Bourbon, foi um importante artista do período do Romantismo e retratou em seus quadros temas diversificados, que vão de paisagens, cenas mitológicas, religião, guerras, reis e rainhas e a inquisição espanhola. Tinha a saúde um tanto frágil, aos 46 anos ficou surdo e queixava-se com frequência  de fortes dores e fraqueza muscular. Aos 75 anos teve um acidente vascular e coube ao doutor e amigo Arrieta seus cuidados, o qual o tratou com muito carinho. Em gratidão ao tratamento, Goya pinta um quadro que faz referencia ao médico ao escrever na parte inferior; “ Goya em gratidão ao seu amigo Arrieta”. Na obra, o artista se retrata em sofrimento, mas sendo amparado pelo médico, representando assim uma relação para além de médico – paciente, mas de carinho, amizade e gratidão. Em relação ao artista escocês, John Bellany (1942), ele realiza uma série de pinturas de auto-retratos juntamente com a equipe médica que o tratou quando de um transplante de fígado. Ele representa sua recuperação juntamente com a equipe médica, incluindo o cirurgião Sir Roy Calne, o que se tornaram amigos íntimos. Segundo o médico a primeira coisa que Bellany pediu quando saiu da UTI foi papel e caneta. Vincent Van Gogh(1853-1890), pintor Holandês, de temperamento intempestivo, possuía poucos amigos e se envolvia constantemente em confusões. Considerado bipolar por uns e  louco por outros, se entrega a bebida e a relacionamentos profanos, adquirindo doenças sexualmente transmissíveis. Suas obras recebem influências de seu estado psicológico. Com a evolução de sua doença, foi internado numa clinica psiquiátrica, a qual tinha um jardim frondoso que passou a ser a inspiração para suas obras. Devido a crises recorrentes que tinha, teve vários médicos que o trataram e ele retratou três deles, demonstrando a gratidão pelos seu acolhimento, além do tratamento médico. Van Gogh foi considerado precursor do expressionismo, movimento que teve início na Alemanha no início do século XX. Rejeitado em vida, foi consagrado logo após sua morte, sendo hoje um dos maiores artistas reconhecidos mundialmente. Edvard Munch (1863-1944), artista Norueguês, também teve uma vida conturbada e de conflitos internos, considerados por muitos bipolar. Sublima nas artes todas suas emoções representando imagens desfiguradas e de forte expressão nos rostos. Apresenta temas relacionados a angústia, morte, depressão e desespero. Devido a vida desregrada, principalmente pelo envolvimento com o alcoolismo,  apresenta sérios problemas de saúde e precisa ser internado numa clinica psiquiátrica, que pertence ao Dr. Daniel Jacobsen. Durante o período que ficou internado, Munch realizou vários esboços relacionados ao tratamento, inclusive recebendo “eletrificação” pelo médico Jacobsen, no qual ele escreveu: "Professor Jacobsen eletrificando o famoso pintor Munch, e está trazendo uma força masculina positiva e uma força feminina negativa para seu frágil cérebro”. Frida Kahlo (1907-1954), artista mexicana, também teve uma vida cheia de conflitos e dificuldades. Ainda criança adquire poliomielite, o que causou lesão no pé esquerdo, fazendo com ficasse com problemas. Na juventude sofre um grave acidente com várias fraturas, fato que modificou completamente sua maneira de viver, precisando fazer 35 cirurgias, permanecendo pelo resto da vida com sequelas e constantes dores e tratamentos. Foi no momento que se recuperava, presa a uma cama que começou a pintar e então o tema recorrente é ela própria, suas angustias e dificuldades em superar tamanha dor. Considerada pela crítica como artista surrealista, ela debatia dizendo: “Não me considero surrealista, eu apenas pinto meus problemas”. E realmente seus dramas, suas dores, estão materializadas em suas telas. Não tem como não perceber todo sofrimento que a artista passou em vida, observando suas obras. Dor, traição, desilusão, raiva, angústia, medos, abortos, compaixão e amor sem limites pelo marido Diego Rivera, estão pintados em suas telas, assim como os médicos que a atenderam  em sua jornada de sofrimentos, entre eles o Dr. Leo Eloesser, pioneiro em cirurgia torácica e ortopédica na qual  Frida pinta o quadro em agradecimento pelo atendimento chamado: “Retrato do Dr. Eloesser”. Também ela faz um auto retrato que dedica ao seu médico, fazendo a seguinte dedicatória: “Pinto meu retrato no ano de 1940 para o Dr. Leo Eloesser, meu médico e meu melhor amigo. Com todo meu carinho”. Frida pintou também um auto retrato com Dr. Farril, médico do Hospital Inglês que lhe deu mais que atendimento médico, lhe deu confiança, carinho, atenção e cuidado. O quadro se chama: “Auto-retrato Dedicado a Dr. Farril”. A arte serviu pra Frida como algo salvador, foi com a arte e pela arte que ela conseguiu superar toda dor e sofrimento, mostrando que sua sensibilidade era maior que a dor, apesar desta dor estar presente em toda sua obra. Frida também eterniza toda sua gratidão pelos médicos que a trataram em suas telas. Partindo da análise da vida e obra dos artistas acima citados, concluímos que; assim como a arte pode servir de alento e tratamento para muitos, o cuidado, carinho e atenção dispensada no tratamento médico, são fatores fundamentais para a recuperação do paciente. Podemos observar na representação dos artistas que a arte serviu para todos como forma de sublimação das suas pulsões, ou seja, cada artista de sua maneira particular, potencializa na arte suas desilusões, dores, anseios, desejos, agradecimentos, reconhecimentos e sentimentos, amenizando desta forma todo o sofrimento e tendência destrutiva. E realizar retratos e auto –retratos com seus médicos é a forma maior de agradecimento pelo tratamento recebido, significa o reconhecimento do carinho dispensado pelo profissional, carinho este eternizado agora nas pinturas de seus pacientes.

2637 Cuidado em saúde: entre omissão e excesso, expectativas e afetos
Sidnei Jose Casetto, Angela Aparecida Capozzolo, Adriana Barin de Azevedo, Alexandre de Oliveira Henz, Andre Rodrigues, Harete Vianna Moreno, Fernando Pena Miguel Martinez

Cuidado em saúde: entre omissão e excesso, expectativas e afetos

Autores: Sidnei Jose Casetto, Angela Aparecida Capozzolo, Adriana Barin de Azevedo, Alexandre de Oliveira Henz, Andre Rodrigues, Harete Vianna Moreno, Fernando Pena Miguel Martinez

Este trabalho apresenta dados parciais de pesquisa-intervenção realizada pelo LEPETS – Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Formação e Trabalho em Saúde – Unifesp/Baixada Santista, em onze Unidades Básicas de Saúde da cidade de Santos. Um dos objetivos da pesquisa foi cartografar experiências de cuidado de saúde em rede. Para tanto utilizamos uma metodologia qualitativa de perspectiva cartográfica, tendo sido selecionados, em conjunto com cada equipe das unidades, casos/situações a serem investigados. Foram realizados diversos encontros com usuários e demais envolvidos na sua rede de cuidado. A partir de diários de campo dos pesquisadores, os dados produzidos foram analisados. Apresentaremos aqui alguns resultados relativos ao objetivo citado, organizados em dois núcleos, sendo um deles referente aos limites do cuidado e o outro à compreensão do cuidado como relação. 1. Os limites do cuidado. As UBS devem responder pela morbi-mortalidade de seu território. Tal responsabilidade pressiona os profissionais a tentarem interferir ativamente em situações consideradas críticas, mesmo que não haja demanda por parte do beneficiário. Assim, realizam-se buscas ativas, campanhas, esforços de convencimento de mudanças de hábitos, presença de agentes comunitários de saúde nas moradias, levando e buscando informações, sendo um olhar do Estado sobre os cidadãos. Não fosse isso, muitos idosos, gestantes, bebês, hipertensos, diabéticos, tuberculosos, ficariam sem cuidado considerado adequado. Por outro lado, procura-se trazer o cidadão para a lógica do profissional de saúde: o que este considera certo fazer. Quanto maior é a responsabilidade depositada nele, mais ele se sente pressionado ao controle das condições de vida daqueles de quem está cuidando. Estes parecem ser os dois lados do PSF: mais ativos e presentes no território, os profissionais de saúde têm melhores condições de entender demandas, identificar e intervir em necessidades complexas, evitando reducionismos; em contrapartida, interferem mais na vida cotidiana, nos hábitos, nas escolhas, expandindo o discurso da saúde para diversas dimensões da vida. Isto não seria uma forma de medicalização? O profissional de saúde parece sempre situado entre a omissão e o excesso, tendo que fazer o difícil cálculo que o mantenha neste intervalo. Cálculo difícil, também por não ter uma medida padrão: aqui pode-se interferir menos, ali deve-se interferir mais. Há que se decidir a cada caso. Não se trata de uma decisão meramente técnica; envolve concepções éticas: deixo Fulano, bastante já informado, em paz com sua dieta que o levará a complicações do diabetes? Respeito a resistência de Beltrana, por motivos desconhecidos talvez até pela própria, a cuidar de sua ferida na perna? No campo da saúde, tem-se também que tomar decisões que não têm sustentação somente técnica, e que, por vezes, têm a ver com não fazer algo, recuar da intervenção. Em outras situações, ao contrário, a avaliação das condições pode indicar uma ação bem além do que o protocolo estabeleceria. A maior parte dos casos de que pesquisamos apresentavam dificuldades socioeconômicas. É perceptível que o profissional se vê diante de necessidades dos usuários que ultrapassam sua capacidade de intervenção, mas que incidem diretamente na saúde. A rede é acionada para ampliar estes limites, particularmente os recursos da Assistência Social (AS). Mas a lógica de intervenção da AS parece ser diferente daquela da saúde. Enquanto a primeira parece procurar, em sua ação, criar o mínimo de dependência possível, fazendo do recurso aos direitos um meio para o cidadão recuperar sua autonomia, a intervenção, no campo da saúde, está pressionada pela responsabilidade frente à manutenção da vida. 2. O cuidado como relação. Foi interessante notar que alguns profissionais consideram que o tipo de proximidade necessária à sua atuação ultrapassa aquilo que eles consideram como técnica, sendo, com frequência, situada no registro da "humanização". Em nosso ver, faz parte do cuidado, inclusive daquele do profissional. O fato do cuidado em saúde acontecer no âmbito de uma relação, dota-o de potencialidades, mas também de limites: tende a impor condições, mas pode ser recíproco; suscita sentimentos diversos, e alguns deles difíceis de manejar. Trataremos destes aspectos a seguir. O cuidado profissional em saúde gera expectativas de lado a lado, inclusive por parte do profissional, que também as tem sobre o usuário: espera que ele aceite a oferta de tratamento ou de rearranjo de suas condições de vida. Quando isso não acontece, o que é frequente, parece ficar com a sensação de desconfirmação do próprio saber e da própria identidade profissional. Quando um paciente não segue a recomendação, não “adere" ao tratamento, resiste ao projeto terapêutico, produz um mal-estar no profissional, que sente seu estímulo ao cuidado diminuído. Incomoda também um paciente reivindicativo. Espera-se, ao contrário, que o paciente seja receptivo. Supomos a cobrança como prerrogativa de quem cuida. Desse modo, poderíamos dizer que o cuidado que o profissional oferece é condicional: depende, para manter-se, da contrapartida que espera do paciente. Caso contrário, a tendência é ao desinvestimento. Os profissionais dificilmente reconhecem que isto ocorra com eles; por outro lado, dizem já terem percebido este desinteresse pelo não aderente ao tratamento acontecer com outros da equipe. Ocorre que, às vezes, o paciente não colabora quanto ao tratamento, mas tampouco quer desligar-se dele. Pode não se interessar pela “cura”, mas precisa muito do acompanhamento; não quer resolver o problema, quer manter-se em relação. No âmbito de uma relação profissional de cuidado, costumamos pensar que é somente o profissional quem cuida; no entanto o cuidado parece reincidir sobre ele, na medida em que se reafirma em sua função, e também oferece reconhecimento, gratidão e ajuda. O cuidado parece ser uma via de mão múltipla. Em algumas situações acompanhadas a relação de cuidado deslocava os papéis inicialmente assumidos, surgindo um cuidado recíproco, e mesmo uma preocupação com a saúde do profissional por parte do usuário. Um outro aspecto da relação de cuidado são os diferentes afetos presentes no processo. Um dos afetos percebidos na pesquisa é o medo que, por vezes, o profissional sente do paciente, do ambiente (contexto) que o envolve e, em situações específicas, também da gestão. A sensação de medo, a escolha em ser prudente e se proteger para que nada aconteça consigo, a capacidade de estar presente e acolher, na sua medida, aquele de quem se cuida, são componentes da relação que se arranjam ao longo dos encontros com o usuário e infletem sobre ela. Concluímos que uma complexidade de aspectos relativa aos limites, às expectativas e aos afetos da relação de cuidado é manejada pelos profissionais e pelos usuários. Notou-se o quanto de cuidado há em evitar a imposição de modelos e em respeitar o tempo de cada um; que diversas formas se inventam a cada situação, desviando-se constantemente de protocolos, que, para além do cuidado técnico/profissional, outras formas ativam-se, produzindo híbridos, que tanto os modos de cuidado quanto os agentes podem ser inusitados e, de certo modo, imprevisíveis. Em síntese, não haveria um único modo profissional de cuidar e sim o desencadeamento de processos nos quais uma grande composição de saberes diversos, técnicas e éticas concorreriam, produzindo resultados inesperados. Boa parte destes processos seriam invisíveis, apenas insinuando-se à superfície da clínica.